icon-plus
Postado em 24/05/2012 - 8:51
Sobre outros olhares
Nina Gazire

Em entrevista, Beatriz Pimenta discute seu novo livro sobre Dias&Riedweg, dupla de artistas suíço-brasileira que realiza sua primeira retrospectiva no MAM-BA

Agua mo still 26

Água de Chuva no Mar,2012. Trabalho de Dias&Riedweg realizado durante residência artística no MAM-BA.

A alteridade, o olhar sobre outro é o cerne da obra da dupla suíço-brasileira Maurício Dias e Walter Riedweg. Produzindo desde meados da década de 1990, os artistas que tem como principal suporte o vídeo, realizam verdadeiros trabalhos de campo_ seja em comunidades de imigrantes estrangeiros, crianças de rua ou camelôs_ transformando a realidade que nos é alheia em um espelho poético onde somos sempre obrigados as nos reconhecer.
Atualmente, é possível revisitar os últimos dez anos de produção da dupla na mostra Estranhamente Possível, retrospectiva em cartaz no Museu de Arte Moderna da Bahia.

Com curadoria assinada pelos próprios artistas, ao todo são apresentados seis trabalhos, sendo que a obra Água de Chuva no Mar foi realizada em uma residência artística a convite do museu, durante o mês de janeiro desse ano. Investigando a relação entre arte e alteridade no Brasil para sua tese de doutorado, a professora Beatriz Pimenta da escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aprofundou-se na obra de Dias&Riedweg. A pesquisa, que foi transformada em um livro, Dias&Riedweg: Alteridade e experiência estética na arte contemporânea brasileira, teve lançamento durante as atividades de abertura da exposição, no último dia 19 de maio.

No estudo, Pimenta ressalta que durante a história da arte brasileira o olhar sobre o outro e sua inclusão dentro da prática artística sempre estiveram presentes, mas com diferentes intensidades. Um dos pontos de partida, segundo a autora, são as manifestações da Semana de Arte de 1922 que observou a alteridade à distância e de maneira idealizada. No livro, antes de adentrar na obra de Dias e Riedweg, a professora faz um mapeamento da aproximação entre a arte e prática etnográfica nos trabalhos dos Modernistas, Helio Oiticica, dentre outros. E é sobre esse percurso de sua pesquisa que Beatriz Pimenta fala em entrevista a Revista seLecT:

Você parte da Semana de Arte Moderna de 1922, para traçar uma gênese da presença das questões ligadas à alteridade na arte brasileira. Como isso se relaciona com o trabalho de Maurício Dias e Walter Riedweg?

Por se tratar de um trabalho acadêmico, foi preciso fazer um recorte histórico sobre a questão da alteridade na arte brasileira. Na Semana de 1922, temos Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral tratando o outro sobre o ponto de vista da imagem. Mas há uma diferença na abordagem, fazia-se uma representação do outro, ou seja, daqueles que não estavam incluídos na cultura erudita, nesse acaso os artistas e movimentos mais expressivos, como por exemplo, o samba. Di Calvalcanti pintava os sambistas, a roda de samba, as prostitutas do mangue, nos fornecendo um olhar distante, afastado.

O conceito de alteridade mudou através dos tempos. Antes se pensava apenas no âmbito de um olhar para o outro. Hoje a questão vai mais além: o outro não é simplesmente aquilo que está “fora”. Como a arte acompanhou essa evolução?

Existe uma questão fundamental que está ligada ao surgimento das novas mídias. Inclusive essa é a hipótese da minha tese, de que as novas mídias, no caso o vídeo, nos aproximam da alteridade. É muito diferente você olhar um quadro. Tarsila do Amaral pintou Morro da Favela, que é uma pintura linda, mas é esquemática, idealizada. A desigualdade social nos anos 1920 e 1930 era a da miséria, e de repente você vê o morro bonitinho, colorido. Já com Helio Oiticica a questão começa com uma crítica. Você tem a presença do Cara de Cavalo, um bandido romântico, na época considerado perigoso pelas autoridades. Já no trabalho do Dias & Riedweg o envolvimento com a questão das alteridades não se dá só no âmbito nacional, mas tem a experiência no nível internacional, já pensando na questão do mundo globalizado. No trabalho Serviços Internos, que foi realizado na Suíça com filhos de imigrantes que participavam de um programa de integração às escolas, os artistas não fizeram um simples registro em vídeo, mas propuseram experiencias que estimulavam o contato entre as crianças. O vídeo permite o registro do processo, permite ter um contato com a imersão que o artista faz no universo do outro te levando junto até certo ponto.

Agua Mo Still 15

Em Água de Chuva no Mar, a dupla de artistas colheu depoimentos de uma comunidade de lavadeiras próxima ao Solar do Unhão, Salvador.

E em que momento a arte brasileira começa se aproximar de maneira mais imersiva e menos contemplativa sobre a questão da alteridade?

Desde o início de colonização o Brasil está num campo de hibridização de culturas muito antes da globalização. Temos um ponto de vista privilegiado nesse sentido. Não lidamos com a alteridade à distância, estamos sempre a tratando como uma troca constante. Cito autores como Gilberto Freyre, que em Casa-grande e senzala, fala, pela primeira vez, de maneira positiva de culturas e não vai tratar a questão do ponto de vista das raças, algo comum nas teorias do século XIX. Creio que o artista mais representativo, que funciona como um marco é Helio Oiticica. Ele vai subir o Morro e desenvolver um trabalho, gesto pioneiro que ultrapassa as questões do minimalismo e da arte ambiental americana, por ter essa preocupação com aquilo que é
periférico.. Ele foi ignorado pelo minimalismo da arte americana, pela questão da arte ambiental e por ter essa preocupação com aquilo que é periférico.

Você acha que pelo fato da questão da alteridade, por ser uma coisa mais recente para outras culturas e países, a arte brasileira as vezes não é reconhecida sobre esse ponto de vista de ser precursora em trazer questões sobre o outro?

Não há uma historiografia da arte que trata especificamente da questão da alteridade. Helio Oiticica raramente é citado por ser um dos primeiros a abordar o tema. De certa maneira, Dias&Riedweg, mesmo participando de eventos importantes como a Documenta de Kassel e Bienal de Veneza, não são incluídos na bibliografia de muitos teóricos da arte contemporânea que tangenciam a questão. Críticos como Nicolas Bourriaud, por exemplo, que ao falar de uma estética relacional foi criticado por Claire Bishop por escolher um grupo privilegiado de artistas que não necessariamente estão preocupados com inclusão do outro, com a alteridade no processo artístico.

Dias&Riedweg: Alteridade e Experiência Estética na Arte Contemporânea Brasileira

Beatriz Pimenta

Editora Apicuri

R$38,00