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Penny Dreadful (2017), da americana Nina Chanel Abney, faz parte do núcleo Ativismos e Resistências da exposição Histórias Afro-Atlânticas, que estará no Instituto Tomie Ohtake (Foto: Cortesia da artista, Jack Shainman Gallery, New York)
Postado em 12/07/2018 - 2:27
Somar para não encolher
Parcerias institucionais entre museus e galerias trazem soluções para o desenvolvimento do sistema de arte brasileiro
Luana Fortes

Delineadas por um sistema restritivo, por vezes proibitivo, instituições culturais têm reavaliado seus modelos de negócios. Quem um dia foi visto como competidor, pode ser agora um importante parceiro. Com benefícios mútuos, experiências revelam como disputas são menos vantajosas do que alianças.

O Museu de Arte de São Paulo (Masp) e o Instituto Tomie Ohtake (ITO), ambos privados e paulistanos, uniram empenhos para a montagem da exposição Histórias Afro-Atlânticas, que acontece entre 29/6 e 21/10/2018. Com curadoria de Adriano Pedrosa, Lilia Schwarcz, Ayrson Heráclito, Hélio Menezes e Tomás Toledo, a coletiva traz mais de 400 obras de 210 artistas e compreende cinco séculos. De acordo com Ricardo Ohtake, diretor do ITO, a parceria começou informalmente em 2014. Antes de Adriano Pedrosa ser contratado como diretor artístico do Masp, ele assinou a curadoria de Histórias Mestiças, também realizada ao lado da antropóloga Lilia Schwarcz, no Instituto. A experiência foi tão positiva que rendeu elogios de Ohtake para Heitor Martins, presidente do Masp, que pouco depois incorporou Pedrosa à sua equipe. Não é de surpreender, então, que, quando o museu decidiu dedicar um ano de sua programação a narrativas e histórias afro-atlânticas, seu diretor artístico tenha convidado o Instituto para realizar a exposição juntos.

“Evidentemente, a parceria vai bem quando os dois saem ganhando”, diz Ohtake à seLecT. E foi o caso. “A gente aprendeu muito e eu tenho certeza de que eles também devem ter aprendido”, completa. Enquanto o Masp recebe a coletiva em todo o seu espaço, o ITO apresenta os núcleos Ativismos e Resistências e Emancipações. A soma de conhecimento de duas das principais instituições brasileiras promete um projeto multifacetado e rigoroso. Ohtake aponta para o diálogo como principal ferramenta em uma parceria.

Intercâmbio
A opinião é compartilhada por Jaqueline Martins. A galerista participa do projeto colaborativo CONDO, que promove exposições a partir de intercâmbios internacionais. A iniciativa permite que galerias apresentem seus artistas em diferentes cidades e alcancem novos públicos, o que, evidentemente, inclui novas possibilidades comerciais. O CONDO já aconteceu em Londres, Nova York, Xangai e Cidade do México. Em abril de 2018, o projeto chegou em formato reduzido a São Paulo. Diferentemente do que acontece em seu modelo original, que movimenta diversos espaços em uma mesma cidade, sete galerias compartilharam o amplo espaço da Galeria Jaqueline Martins. Foram elas KOW (Berlim), Carlos Ishikawa (Londres), Simon Preston (NY), Nuno Centeno (Porto), Grey Noise (Dubai), PM8 (Vigo) e Proyectos Ultravioleta (Cidade da Guatemala). “Em Londres, a adesão foi instantânea, mas aqui, em São Paulo, tivemos de receber o CONDO em uma condição diferente. Apenas três galerias se mostraram dispostas a abrigar o projeto”, conta à seLecT Jaqueline Martins, referindo-se às galerias Leme, Vermelho e Casa Triângulo. Em janeiro de 2018, 17 espaços londrinos receberam 46 galerias internacionais. “Mas, no ano que vem, quando tivermos a segunda edição do CONDO em São Paulo, acredito que conseguiremos ampliar esse número e criar um circuito”, continua. Ao observar um projeto internacional como o CONDO, o adverso tratamento dado pelo Brasil à importação e exportação de obras de arte fica evidente. As taxas são mais altas, os processos mais arriscados e o medo mais presente. Jaqueline Martins conta que, ao montar individual de um de seus artistas em outro país, leva isso em consideração. Na maior parte das vezes, escolhe trabalhos que possam ser montados no lugar onde serão exibidos, usando materiais locais. Assim, se a obra é vendida, não é necessário exportá-la. Caso contrário, basta destruí-la. “São as soluções criativas brasileiras”, diz Martins.

 

A galerista também notou a resistência dos similares estrangeiros em enviar obras para o Brasil. “Eles ficam com medo. Sabem que vão enfrentar um processo mais caro, com burocracia grande e lenta, e que as obras podem ficar retidas na alfândega”, diz. Mas como o projeto é realizado com espírito de colaboração, cada galeria acaba se adequando às especificidades das outras. “É realmente um fluxo de sinergia e troca.”

Doações para museus
Outras galerias que têm realizado parcerias são a Nara Roesler e a Almeida e Dale. Em 2011, a Nara Roesler criou a Associação para o Patronato Contemporâneo (APC), dirigida por Mariana Dupas. A APC busca realizar projetos institucionais que estimulem o patronato cultural. Entre seus projetos está a viabilização de doações para museus de obras produzidas por artistas representados pela Galeria Nara Roesler. A associação procura instituições museológicas e pede que elas indiquem seus grandes sonhos de consumo. “O objetivo principal é fazer um trabalho conjunto com as instituições para identificar lacunas e preenchê-las”, diz Dupas à seLecT. Durante a SP-Arte 2017, a galeria ofereceu uma condição especial aos colecionadores Daniela e Helio Seibel e viabilizou a doação da obra Mixirica (2015), de Artur Lescher, para a Pinacoteca de São Paulo. No ano seguinte, na mesma feira de arte, foi a vez de Paulo Bruscky com um conjunto de obras da série Arte/Pare (1973), também para a Pina, doado por Sergio Werlang e Rose e Alfredo Setubal. As articulações da Galeria Nara Roesler conseguem beneficiar todas as partes envolvidas. O museu, ao ter uma lacuna preenchida; o artista, ao ter representação em uma instituição; e o colecionador, ao se tornar agente da doação.

No caso da Galeria Almeida e Dale, os benefícios também são profusos, mas não impactam a galeria de forma imediata. Até 2015, quando o mercado de arte brasileiro estava bastante aquecido e em franco crescimento, parte de seu orçamento destinava-se a ações de promoção cultural, desvinculada de propósitos comerciais. Depois disso, mesmo com maior cautela, a galeria permanece dedicada a esse objetivo. Investindo dinheiro do próprio bolso, sem renúncia fiscal, a galeria organiza e leva exposições para museus fora do eixo. “Todas as grandes exposições passam pelo Rio, passam por São Paulo, algumas vezes por Brasília e outras por Belo Horizonte. O resto do Brasil não tem direito também?”, pergunta Antonio Almeida, um dos três sócios da galeria. Nas exposições que a Galeria Almeida e Dale recebe, comumente estão presentes obras de outros espaços comerciais. No entanto, para Almeida, existe uma diferença ética entre vender trabalhos artísticos e montar boas exposições. E são essas mostras que a galeria acaba levando a instituições museológicas. É o caso da individual de Alfredo Volpi no Museu de Arte Moderna da Bahia, em exibição até 1º/7. A exposição foi realizada a partir de seu apoio, além de suporte do Instituto Alfredo Volpi de Arte Moderna e da Paulo Darzé Galeria de Arte, de Salvador. No forno da galeria também está um projeto maior que pretende ampliar o acervo de instituições museológicas nacionais. Diferentemente das ações da Galeria Nara Roesler, o projeto da Almeida e Dale busca viabilizar doações de obras que não são necessariamente de seu acervo. Mas, vale perguntar, que benefícios isso traz à galeria? Almeida opina que descentralizar o sistema da arte brasileiro pode criar novos mercados e desenvolver novas possibilidades comerciais. Então, acredita que a vantagem apareça mais adiante. “Se você planta o bem, você colhe o bem. Você não vai plantar jaca e colher melancia”, brinca Almeida.

Pintura Sem Título feita por Alfredo Volpi na década de 1970 (Foto: Divulgação)

 

A Almeida e Dale também se envolveu na recuperação do acervo do Museu Bispo do Rosário, no Rio de Janeiro, que até recentemente não tinha obras catalogadas. Com seu apoio, museu e galeria estão desenvolvendo o Catálogo Raisonné do Bispo, com previsão de lançamento para início de 2019.

Logo depois, a Fundação Marcos Amaro entrou na jogada e ofereceu uma mão. Se um ajudou na catalogação de obras, o outro garantiu que elas seriam conservadas em boas condições. “O Marcos Amaro nos visitou e ficou muito comovido com as nossas condições precárias. Então começou a nos ajudar”, conta à seLecT Ricardo Resende, curador do museu e também diretor artístico da fundação. Assim a reserva técnica do espaço passou a ser readequada.

 

Independência e Morte
Outra parceria que começou a dar frutos recentemente é entre o Sesc Ipiranga e o Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga, que está fechado para visitação desde 2013, com previsão de reabertura apenas em 2022, caso a restauração prevista de fato comece em 2019. Em 2017, o Sesc realizou oficinas de conservação e atividades educativas com o corpo técnico do museu. Para celebrar 195 anos da emancipação política brasileira, os dois apresentaram o Museu do Ipiranga em Festa, no Parque da Independência, com 20 atividades culturais gratuitas. Ainda em 2017, o Sesc tomou conta do saguão do museu com o espetáculo Leopoldina – Independência e Morte, dirigido por Marcos Damigo, com Fabiana Gugli.

O mais recente dos resultados da parceria é a exposição Papéis Efêmeros: Memórias Gráficas do Cotidiano. Com curadoria de Chico Homem de Melo e Solange Ferraz de Lima, a mostra leva ao Sesc Ipiranga até 26/8 um recorte do acervo do Museu Paulista. Sobre os benefícios que a parceria traz para ambos os lados, Solange Ferraz de Lima, diretora do Museu, afirma à seLecT: “As trocas são inúmeras. O Sesc tem uma estrutura ágil e espaços adequados para o desenvolvimento de uma série de atividades, que são do nosso escopo, com o público de diferentes faixas etárias. E nós temos o acervo e especialistas no campo da museologia, educação, conservação e historiadores”.