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Fabio Szwarcwald no Parque Lage (Foto: Felipe Fitipaldi)
Postado em 06/12/2019 - 1:07
Szwarcwald: “Cultura é maior que partidos ideológicos”
Exonerado da direção da EAV Parque Lage, gestor fala sobre seu modelo de viabilização das atividades da escola sem o apoio do Estado
Paula Alzugaray

Um programa de formação gratuita, beneficiando 264 alunos com bolsas de estudo integral – 25 para artistas vindos das periferias. 1 milhão de reais arrecadados em crowdfunding para a remontagem da exposição Queermuseu, censurada em Porto Alegre. 4 milhões de reais captados e investidos em uma programação de cursos, palestras, exposições, shows e debates. Autorização do Ministério da Cultura para captar 42 milhões de reais via Lei Rouanet para o restauro do Parque Lage. No biênio 2017-2018, a programação da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, no Rio de Janeiro, foi um ponto fora da curva em um estado com as finanças arruinadas. Diretor da escola durante 2 anos e seis meses, o gestor Fabio Szwarcwald, no entanto, teve um encerramento de atividades incongruente com a virtuose de sua performance. Em 21/11, foi exonerado do cargo, sem justa causa, pelo então Secretário Estadual da Cultura e Economia Criativa, Ruan Lira, após um processo que não confirmou irregularidades. Na quarta 4/12, por sua vez, Lira foi afastado da pasta, deixando um saldo de realizações bem menos edificantes, como ter empenhado este ano aos equipamentos culturais do Rio apenas 2% do orçamento previsto, segundo estudo divulgado pela Comissão de Cultura da Assembléia. Com uma bagagem de 22 anos de experiência em operações financeiras – foi diretor do setor corporate e com gestão de recursos em private bank do Banco Votorantim –, Szwarcwald fala sobre o modelo de gestão privada que desenvolveu em um dos mais tradicionais equipamentos culturais públicos do Rio. Fundada em 1975 pelo artista Rubens Gerchman, a EAV Parque Lage teve importante papel na formação de artistas como Beatriz Milhazes e Adriana Varejão, Ernesto Neto e Laura Lima

seLecT: Como vê a migração do Secretário da Cultura para a Casa Civil, depois de ter te exonerado do cargo de diretor da EAV Parque Lage, sem comprovar nenhuma irregularidade?
Szwarcwald: Eu soube que a Comissão de Cultura da Alerj já estava há muito tempo em cima do Secretário, desconfortável com várias ações que ele vinha tomando sem clareza, sem transparência, sem explicar motivo ou estratégia. Acho que essa exoneração dele se deve ao modo como estava conduzindo a pasta. Ele não repassava dinheiro nenhum para os equipamentos. Para o Theatro Municipal, passou só R$ 1 milhão este ano, de um orçamento de mais de 30 milhões; para a Casa França Brasil, a Sala Cecília Meireles e o Parque Lage, não repassou nada. E alguém da iniciativa privada, que estava fazendo algo que era fundamental e ele não fez, foi exonerado sem motivo, com insinuações falsas. 

Após o processo não apontar irregularidades, o ex-Secretário alegou que a relação entre vocês “tornou-se irremediável e sem sintonia”. Como estava a parceria com a Secretaria de Cultura?
Em dez meses, o Secretário foi à escola uma única vez, para a abertura da exposição do Museu de Arte Naïf. Nunca mais pisou na escola, sendo que a EAV é um dos principais equipamentos dele. Nem ele, nem o superintendente de artes, nem ninguém. Eu sempre prestei contas. Fiz um livro com relatório da gestão em 2017 e 2018 e entreguei na mão dele. Desde que eu entrei na EAV, há dois anos e sete meses, o Estado não bota nada na escola. Eu investi R$ 4 milhões, dinheiro que eu captei. O que o Estado bota por mês dá hoje R$ 180 mil, no máximo, para pagar água, luz, segurança e limpeza do Parque. Nem limpeza interna eles pagam mais. Esse ano, ele reduziu meu salário duas vezes. Meu projeto na escola iria finalizar quando eu captasse R$ 42 milhões para restaurar o Parque Lage. Mas ele não quis assinar, dizendo que não tinha uma dotação orçamentária. Eu falei, eu busco o dinheiro. Consegui acabar o projeto executivo, falei com investidores, tinha gente querendo, e ele me afasta justamente no mês de captação da Lei Rouanet. Não dá pra entender a cabeça de um cara desse. O que eu imaginei é que eles quisessem replicar esse modelo para outros equipamentos do estado que não estão funcionando. E o que acontece é uma caça às bruxas.

Uma de suas primeiras ações na EAV foi enfrentar o conservadorismo e remontar a exposição Queermuseu. Houve tentativa de ingerência na programação?
Não, a curadoria nunca sofreu intervenção. Foi uma questão pessoal comigo, eles falavam que eu aparecia muito nos jornais! O Queermuseu recebeu 40 mil pessoas em 28 dias, a exposição de Arte Naïf 32 mil pessoas em 56 dias e a Campo mais de 40.500 pessoas em 58 dias. As três exposições, gratuitas, receberam 112 mil pessoas, fora crianças. Se eu cobrasse 10 reais o ingresso faria uma diferença enorme para o caixa da escola, mas aí entra o caráter social da escola. Isso fortaleceu muito a escola, que virou um lugar muito democrático e plural. Com o Queermuseu, a gente fez 25 apresentações de grupos musicais LGBTs, contratou 15 pessoas trans para trabalhar no programa público da exposição, que nunca tinham entrado num museu. Conseguimos trazer muita gente que nunca tinha entrado ali, porque achava que aquilo era um palácio, um lugar que não pertencia a eles. Meu trabalho foi garantir esse pertencimento. Isso deu muita força e visibilidade para a Escola. Eu fiz uma clipagem, em 2 anos e 6 meses foram R$ 85 milhões de mídia espontânea. Positiva! Sem contar capa do The New York Times duas vezes, matéria no Le Figaro, Artsy, Art News, todas aquelas revistas internacionais publicaram matérias do Queermuseu. 

Como você conseguiu cooptar a iniciativa privada a apoiar um equipamento público com sérios problemas financeiros e endividado?
Quando o André Lazaroni (Secretário Municipal da Cultura do governo Sérgio Cabral Filho) me chamou pra trabalhar no Parque Lage, disse que não tinha dinheiro pra me repassar porque o Estado estava quebrado. Se fosse uma empresa, a EAV estaria em recuperação judicial, porque não pagava funcionários há 4 meses. Ele falou, olha, assume isso, que você é bom gestor, vai resolver. Eu falei com todos os meus amigos, que disseram ‘você é louco de assumir esse negócio. Não tem condição nenhuma de dar certo, porque o estado não vai botar dinheiro, tem dívida antiga de R$ 1,8 mi com outros fornecedores. Eu entrei e muita gente questionando a minha entrada, ‘como é que um cara de mercado financeiro, que não entende nada de Cultura vai tocar uma escola?’ Eu fiquei quieto, e falei, vou trabalhar. Assumi aquilo nessa situação. Comecei a fazer um trabalho de saneamento das finanças, desenvolver novos projetos e novo modelo de captação. A gente começou a fazer um trabalho muito linkado a uma independência financeira. E deu super certo. Veja bem: se os equipamentos tem que conseguir se sustentar e o governo quer reduzir a máquina. Ok, eu consegui me sustentar. Se os equipamentos tem que cortar funcionários públicos para se tornarem eficientes, ok, eu assumo todos os funcionários. 100% dos funcionários da escola recebem da AMEAV (Associação de Amigos da Escola de Artes Visuais). Eu sou – era – o único funcionário público dentro da escola. Se é preciso fazer um trabalho social: eu tripliquei o número de bolsas de estudo, aumentei em 20% o número de alunos pagos. A escola virou superavitária. Aumentou a visitação em 20%: a gente recebe 50 mil pessoas por mês. É o quarto equipamento cultural mais visitado do RJ. Perco para o MAR, para o Museu do Amanhã e para o Aquário. Na minha gestão, a Escola saiu de um déficit mensal de 70 mil a 100 mil por mês para um superávit de 20 a 30 mil por mês. A Escola nunca teve tanta programação gratuita, exposições tão importantes e tudo de graça. 

Manifestação pública em defesa do Museu de Arte do Rio, em risco de continuidade devido a cortes de verbas e atraso de repasses da Prefeitura do Rio (Foto: Marcio Menasce)

O Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã estão buscando fortalecer o fomento da iniciativa privada para continuar existindo. Esse modelo pode dar certo lá também?
Não que eu ache que o Estado não tenha que colocar dinheiro. Mas, se eu dependesse do Estado, eu não faria nada da minha programação. No atual cenário do Brasil, essa é a alternativa mais viável para conseguir manter os museus, com suas programações sendo realizadas de forma completa e permanente. Essa sustentabilidade vem hoje em grande parte da iniciativa privada, já que os governos têm problemas de caixa e a Cultura não é vista como prioridade. Existe uma outra visão de que esses equipamentos tem que ser sustentados sem ajuda nenhuma governamental. Não acho que isso é certo, acho que o governo tem uma enorme importância de manter esses equipamentos ativos e fortes já que eles tem um trabalho social muito importante, como é o caso do MAR com a comunidade da Zona Portuária. 

Com a sua saída, quem vai pagar as contas da Escola no mês que vem?
Eu deixei em caixa R$ 1,3 mi para a Ameave continuar pagando salários. Mas com a minha saída, outros R$ 800 mil reais não serão mais investidos. Então esse caixa vai durar 8 meses. Os conselheiros já pediram a renúncia. Então eles vão ter que botar outra Associação de Amigos. Se não entra ninguém, a Escola pára. Eles acham que o equipamento por si só se financia, ele se banca, mas não é assim. São pessoas! É o legado da pessoa que está a frente da gestão que faz a diferença. Qual era meu projeto? A Escola está montada. Ela tem caixa, tem um programa fechado para 2020, ela tem funcionários, captação em lei aberta, tinha investimento. Estava me preparando para passar esse bastão depois de captar esses R$ 42 mi de reais pro restauro da escola, que era meu sonho final.

Temos hoje uma ingerência ideológica explícita na figura do secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, que parece ter ganho carta branca para desmontar a Cultura. Como você vê a situação no governo federal?
Vejo com preocupação muito grande porque a Cultura é maior do que partidos ideológicos. Todos nós retrocedemos com isso. Acho que a diferença de ideias é fundamental num país que quer crescer. Numa empresa também, a heterogeneidade é muito importante porque traz discussões criativas. Um país tão aberto, tão liberal, tão plural como Brasil, que sempre foi uma referência na arte, na música. 

Essa primeira experiência na gestão pública foi um conhecimento adquirido?
Com certeza. Foi um MBA que não tem preço! E o Secretário só me ajudou com isso. Todo mundo viu meu trabalho por causa dessa situação em que ele me colocou. Só me botou em evidência. Agora posso fazer uma coisa até maior, porque eu já entreguei. Muita gente fala, fala, mas não entrega. 

Pretende continuar na vida pública? Assumiria uma carreira política?
Isso é pra ser levado, não é pra pedir. Se não, você não tem força. Se você pedir, está morto. Porque aí você tem que negociar e eu não sou uma cara de negociar dessas formas. Eu não quero. Estamos montando uma associação, a Frente pela Cultura, para ajudar a viabilizar as atividades dos equipamentos culturais do RJ a sobreviver sem esse apoio todo do Estado. Vai ser um movimento bacana, forte, importante.