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Murakami (Foto: Museum of Fine Arts, Boston)
Postado em 05/12/2019 - 3:13
Takashi Murakami: “Sou um artista comercial mesmo”
Em exposição em São Paulo, artista japonês diz que seus pares são os grandes estúdios de animação e de cinema, e que da próxima vez que vir ao Brasil irá pescar na Amazônia
Gabriela Longman

Do ímpeto de misturar a pintura tradicional japonesa com altas doses de cultura pop e repertório de animê, surge a estética que transformou Takashi Murakami em um dos artistas mais populares das últimas décadas. Impulsionado pelo galerista francês Emannuelle Perrotin nos anos 1990, Murakami faz parte de um diminuto grupo capaz de fechar contratos milionários envolvendo indústria da moda, do entretenimento e das telecomunicações e de arrematar mais de um milhão e meio de seguidores nas redes sociais. 

“Acho que sou um artista comercial mesmo”, ele diz, preferindo comparar-se aos diretores de sagas de fantasia como Stars Wars e Senhor dos Anéis do que a outros artistas do cubo branco. Sua insistência mora na indistinção entre arte “elevada” e cultura de massas, explícita em parcerias com a Louis Vuitton, com o rapper Kanye West ou com a cantora Billie Eilish, para quem dirigiu este ano o clipe-animação You Should See Me in a Crown

Pela primeira vez no Brasil, Takashi Murakami – tantas vezes confundido com o escritor Haruki, de mesmo sobrenome – ocupa as salas principais do Instituto Tomie Ohtake com 35 obras, entre telas multicoloridas de até 10 metros e esculturas de uma margarida sorridente e multicolorida, um de seus ícones principais. 

Mas nem tudo são flores e cores: depois do tsunami que atingiu o Japão em 2011 e do consequente acidente nuclear de Fukushima, Murakami voltou-se mais para o Japão mitológico e para a espiritualidade zen-budista, um contraste que o curador Gunnar B. Kvaran fez questão de ressaltar no conjunto de 35 obras exibido originalmente no Astrup Fearnley Museey , em Oslo. 

Na véspera da abertura da mostra paulistana, Murakami falou à seLecT vestindo roupas com figuras brilhantes e coloridas, trajado como se fosse uma extensão de sua obra. A escolha, ele diz, é feita por um personal stylist, para que ele possa “corresponder às expectativas” do mundo sobre sua persona. “Sozinho, uso as roupas esportivas mais simples, tipo [as da marca] Patagônia”, diverte-se. 

Diante de cada pergunta, o artista ficava alguns segundos em silêncio e depois começava a responder, sempre de olhos fechados, como se estivesse em contato com algum plano espiritual. Produto e persona, afinal, andam juntos, mas não se sobrepõem. 

Tan Tan Bo (2001) de Takashi Murakami (Foto: Takashi Murakami/Kaikai Kiki Co)

 

seLecT:  Sua trajetória inclui exposições nos espaços mais inusitados – da Macy’s Parade ao Castelo de Versalhes – e um uso extensivo de suportes e meios. O que ainda há como desafio a realizar?
Murakami: Estou envolvido em fazer um filme com computação gráfica, uma produção caríssima que acompanha a saga de um monstro. Todo mês eu fico pensando: “Será que é agora que não vou mais em frente?”. Eu preciso terminar e sair desse buraco o quanto antes. Um buraco financeiro, inclusive.  Há uma espécie de obsessão com isso nesse momento. 

Existe uma espécie de chavão que diz que o senhor seria o “Andy Warhol japonês”. Como recebe essa comparação? Quem são os artistas que considera pares?
Eu fico honrado com a comparação, mas existe uma diferença. Acho que meus pares estão mais para os estúdios de animação e de fantasia, como o Estúdio Ghibli, de Hayao Miyazaki, o estúdio do Peter Jackson na Nova Zelândia e do J.J. Abrams. Talvez a comparação com Warhol derive do fato de eu também ter a minha “Factory”, com centenas de colaboradores envolvidos em diferentes projetos. 

De onde veio o input de reler e trabalhar em cima da obra de Francis Bacon?
O que Bacon fazia é o oposto do que eu faço: ele retrata a parte obscura das pessoas. Desde estudante eu gostava de sua obra, mas foi em Londres ao vê-la ao vivo que me senti efetivamente possuído, uma imersão tão intensa que eu não conseguia sair. Fiquei dois meses tentando me concentrar para expressar o impacto. Passei por um período sombrio que só passou quando fui viajar com minha família no verão seguinte. 

Você tornou-se conhecido por ser o dono de uma coleção extensiva de arte que inclui de pintores do período Edo, como Soga Shōhaku (1730–1781), até grandes nomes ocidentais contemporâneos, como Anselm Kiefer. Poderia falar um pouco dessa faceta?
Quando minha carreira como artista contemporâneo começou, eu não entendia como funcionava a parte do valor e da precificação. Comecei a comprar para ter essa vivência pessoal do sistema, essa experiência com a oscilação do mercado. Mas aí ocorreu algo curioso: quando uma obra chega até mim, há uma imersão tão grande que consigo quase que visualizar o artista trabalhando, e uma comunicação fortíssima se estabelece. Fiquei meio viciado nisso e passei a procurar sistematicamente essa experiência.  

Em diferentes ocasiões, você afirmou que começou a trabalhar movido por uma espécie de ansiedade da juventude. É um sintoma contemporâneo? Como faz para gerenciar a própria ansiedade?
Tenho uma peculiaridade. A gente está conversando e eu faço scans constantes do que está a minha volta. Meu cérebro funciona dessa forma, e minha equipe se esforça para criar um ambiente com o mínimo de interferência possível. Isso, por sua vez, gera em mim uma espécie de pressão que quase que me obriga a trabalhar. 

Essa é sua primeira vinda ao Brasil. O que conhece da cultura brasileira? Que imagem tinha e como contrasta com o que você encontrou?
Minha imagem mais forte do Brasil vem de uma reportagem que vi pela primeira vez aos 17 anos e depois repetidas vezes numa revista japonesa de pesca. Dentro da minha cabeça havia algo como Brasil = Amazônia para pescar. Essa visita é rápida, mas na próxima vez eu gostaria de ficar uma semana e realizar esse plano de ir ao Rio Negro pescar Tucunaré.

Untitled (2017) de Takashi Murakami (Foto: Cortesia do artista e PERROTIN)