icon-plus
Palabras, palabras... (2017), de Antoni Muntadas (Foto: Cortesia do artista)
Postado em 16/09/2021 - 6:51
#tbt35
Imagens-limite que assolam o noticiário retratando a realidade de refugiados ao deixar países tomados por extremistas são foco e filtro da edição #35, tristemente atual
Da redação

Desde que o grupo extremista Talibã tomou a capital do Afeganistão, em agosto de 2021, o mundo assiste atônito a uma nova crise migratória. Diariamente, milhares de pessoas tentam deixar o país, e os países vizinhos – ou aqueles envolvidos com o conflito afegão – relutam em abrir as fronteiras. Antes mesmo de o Talibã chegar a Cabul, os afegãos já representavam a segunda maior população refugiada do mundo (atrás dos refugiados da Síria), segundo a ONU. Só no Afeganistão, são 2,5 milhões de pessoas que abandonaram sonho, vida e raízes, desde a primeira vez que o grupo extremista tomou o poder.

Ao longo de 10 anos de trajetória, seLecT abordou pelo menos duas vezes a gravidade da questão migratória global. A edição #31, Migrações, foi realizada no auge da maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial, em 2016, precipitada pela guerra civil da Síria. Apenas um ano depois, a revista voltou ao tema, na edição #34 (no inverno de 2017), com o extremismo como objeto de investigação.

Mal podíamos imaginar, então, o que estava por vir: O Brasil no refluxo de uma onda conservadora e radical global, impulsionada pela xenofobia. O ensaio de Giselle Beiguelman, “A Era do Muro”, vislumbra o fim do sonho brasileiro. Analisa o estado das coisas de um país em desagregação, a partir do documentário de Lula Buarque realizado durante a implantação do “muro do impeachment” (construção de metal feita para separar manifestantes a favor e contrários ao processo que corria sobre o Governo Dilma), em abril de 2016, em Brasília, chegando à série de múltiplos Palabras, Palabras (2017), de Antoni Muntadas, em que termos como democracia, ideologia, transparência, vanguarda, política etc. são consumidas por um ruído gráfico.

No Fogo Cruzado, escritores, jornalistas e pesquisadores diagnosticavam a perigosa e frágil realidade: “Como pode ser não-violento um país que foi o último do Ocidente a abolir a escravidão e recebeu 40% dos africanos que saíram compulsoriamente do seu continente?”, pergunta a historiadora Lilia Schwarcz. “Convenhamos que um país que registra quase 60 mil homicídios por ano e a cada sete minutos pratica violência contra a mulher não é um país de bom coração”, completa Zuenir Ventura. Já Joca Reiners Terron responde à questão sobre a realidade brasileira com um micro-conto: “Foi encontrada a ossada do ‘homem cordial’ brasileiro: estava em uma fossa comum, seus ossos estilhaçados se misturaram à terra que o envolvia…”.

As imagens geradas em agosto e setembro últimos, no Afeganistão, pela imprensa internacional, são avassaladoras e custam a sair da retina de quem realmente olhou para elas. Na edição #34, as imagens do êxodo, da violência, do poder totalitário e da intolerância religiosa são filtradas pelos olhares de artistas como Ai Weiwei, Tuca Vieira, Anna Kahn, Bansky, Teresinha Soares, Cris Bierrenbach, Sara Ramo, Yael Bartana, Adi Nes, Márcia X e Bill Viola. Fecha a edição uma crítica sobre a instalação O Anjo Exterminador (2017), de Nelson Leirner, no Octógono da Pinacoteca de São Paulo, em que a ponte é uma representação da divisão, do impasse e da imobilização, entre duas hordas opostas de Caboclos, Budas, Pretos Velhos, Nossas Senhoras e Anjos das Guarda. Vale rever.

Capa SeLecT #35