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Postado em 12/08/2014 - 7:26
Telas à parte
Guilherme Kujawski

Teórico de mídia inglês, que vem ao Brasil para uma série de conferências, fala sobre o futuro do cinema, ecologia e as políticas de visualização de redes sociais

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Legenda: Sean Cubitt em exposição concebida para a Fundación Telefónica (foto: Lukas Isaac / Terra Perú)

Sean Cubitt, professor titular de Filme e Televisão em Goldsmiths, Universidade de Londres, é um dos teóricos de mídia mais importantes da atualidade. Sua pesquisa é multidisciplinar e engloba artemídia, estudos do cinema e ecologia. Ele chega ao Brasil para participar da conferência Besides the Screen, evento que começou em Londres em 2010. A seLecT conversou com ele, por e-mail, sobre o papel da teoria crítica em tempos de catástrofe, visualização de dados e eco-crítica, sua mais recente linha de pesquisa.

McKenzie Wark, teórico australiano, está se perguntando qual é o papel da teoria crítica na era do Antropoceno, termo usado por alguns cientistas para descrever o período geológico mais recente do Planeta Terra. Você acha que de alguma forma a teoria do cinema pode contribuir para este debate? Pergunto isso inspirado por seu livro Eco Media

Se a ecologia é a ciência que se compromete a entender as conexões entre tudo, e as mídias fazem as conexões entre todos, a questão é como ligar todos com tudo. Por mídia vamos entender todos os canais que usamos para nos conectar: linguagem, dinheiro, sexo, bem como filmes e telefones. A mediação é mais antiga, mais profunda e mais ampla do que a comunicação. A comunicação é aplicada quando existe uma lacuna entre o emissor e o receptor. A mediação é a ligação entre eles. A luz solar, por exemplo, media o sol e a terra. A crítica ecológica funciona quando se trabalha ao nível da mediação: como o mundo media a vida humana e como a vida humana media o mundo? Historicamente, a questão é essa: como o mundo se comunica conosco e como podemos nos comunicar com ele? A comunicação – efeito de um rompimento primordial de conectividade – transforma seres humanos em sujeitos e o mundo em objeto. A tarefa da crítica no Antropoceno é avançar para além desta relação, em que se funda tanto a exploração da natureza, como nosso ponto de vista sentimental e nostálgico sobre ela.

Os atuais designers de games se preocupam apenas por questões como imagens de alta resolução e hiper-realismo. E no mundo das imagens em movimento as pessoas só falam de mídia digital de altíssima qualidade trafegando em redes fotônicas. Por outro lado, os experimentos em narrativas estão paralisados há décadas (os filmes estão cada vez mais parecidos com videogames e vice-versa). Você acha que as experiências radicais em narrativas poderia ser a próxima fronteira no campo das imagens em movimento?

Imagens em alta-definição e seus meios de transmissão demandam mais recursos materiais e energia. Novas formas de narrativa, não. Isso é um ponto positivo. Hoje, as mídias dominantes são planilhas, bancos de dados e sistemas de informação geográfica. O que elas têm em comum é a ênfase no espaço: um gráfico, por exemplo, representa o tempo como espaço. As mídias temporais, narrativas ou não (por exemplo, um argumento lógico ou um filme-ensaio) são importantes porque elas não são exclusivamente calcadas no espaço e na espacialização. A reinvenção da questão temporal – em conjunto com a invenção de outras formas de expressar e vivenciar o tempo – é o aspecto mais significativo dos novos modos de narrativa. A mediação pura prescinde de espaço e tempo. A comunicação é essencialmente espacial. O tempo, dentro do contexto da comunicação, é uma função do espaço, ou seja, é uma “diferença que faz a diferença”, nas palavras do antropólogo britânico Gregory Bateson. A função da crítica – incluindo a invenção e a reinvenção como prática criativa – é encontrar um novo modo de mediação, além da comunicação, capaz de incluir o espaço e o tempo simultaneamente.

Quando a Missão Artística Francesa chegou ao Brasil no século 19 – trazendo consigo uma forma neoclássica de olhar para a paisagem – encontrou a resistência de artistas locais interessados no barroco. Ou seja, a imposição de uma maneira de olhar para as coisas nem sempre é assimilada. Você acha que a mesma coisa pode acontecer na área de visualização de dados? Por exemplo, você pode imaginar uma empresa estrangeira de software proprietário impor aos pesquisadores uma tecnologia para analisar os dados referentes às manifestações políticas recentes no Brasil?

Tenho certeza que isso já está acontecendo: Eu oriento um estudante de mestrado que pesquisou as representações gráficas de feeds do Twitter durante os protestos no parque Gezi, em Istambul. A visualização de dados tem a característica das planilhas, ou seja, é uma mídia espacial, pelo menos em suas formas dominantes. As simulações, por exemplo, contemplam o futuro como uma continuação, e não como uma ruptura radical. Ao redefinir ações como comportamentos, elas transformam eventos históricos em dados que podem ser trabalhados biopoliticamente. A visualização de dados pressupõe um espectador que tem poder (mesmo que apenas imaginário) sobre os dados. Assim, existem três pontos fracos nessa história: a conversão em dados propriamente dita (seleções, exclusões); o processo de visualização aplicado a esses dados; e a modelagem da pessoa ou da instituição a quem esses dados representam. Há possíveis contra-estratégias: insistir na complexidade do fato ou da experiência única; criar alternativas (irônicas, criativas) para os conjuntos de dados; contestar o que é deixado de fora dos dados; contestar o humanismo implícito nas apresentações de dados, uma vez que as máquinas podem ler os dados sem precisar de recursos de visualização; enfatizar o processamento e o transporte de dados, em vez do conteúdo ou da forma; e outras. Uma coisa que as críticas por meio de visualização de dados têm em comum é que elas resistem à formação do sujeito supremo, maquínico ou humano.