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Postado em 15/02/2013 - 6:06
Teoria do Remix
Nina Gazire

Em entrevista exclusiva para a revista seLecT,  Eduardo Navas, um dos maiores teóricos da cultura do remix, fala sobre sua mais nova curadoria e o futuro da criação artística na era do pós-digital

Vídeo do painel de discussão sobre a exposição Three Junctures of remix. Artistas participantes em ordem de aparição, Giselle Beiguelman, Elisa Kreisinger, Mark Amerika, e Arcangel Constanini.

O salvadorenho, radicado nos EUA, Eduardo Navas possui uma longa trajetória no mundo da arte digital. Seu livro Remix Theory: The Aesthetics of Sampling é referencia bibliográfica indispensável sobre a história da apropriação, não só no mundo das artes, mas principalmente, no mundo da cultura autofágica e acelerada pelos processos digitais.

Um de seus projetos mais conhecidos é o site Remixtheory.net, onde o pesquisador reúne dados e informações sobre a cultura do remix e sua história. O site foi projetado para ser uma espécie de diário de bordo sobre a cultura do remix onde projetos, textos, e artigos escritos pelo próprio Navas estão reunidos e livres para consulta pública.

Navas já colaborou com artistas e instituições de vários países, como o festival Turbulence.Org, de Boston; foi colaborador da rede Rhizome, especializada em arte digital e novas mídias e atualmente é coordenador e pesquisador da gallery@calit2, centro localizado em San Diego, pertencente a Universidade da Califórnia e um dos mais importantes hubs de pesquisa voltados para a interseção entre arte e tecnologia.

Ilvyrgif-webapp-giselle-beiguelman

I Lv Yr GIF (I love your gif), web app de Giselle Beiguelman baseado na cultura da primeira net art, produzido inteiramente com gifs animados coletados em coleções pessoais

E é exatamente na gallery@calit2 que Navas desenvolveu um de seus mais recentes projetos sobre a cultura do remix. Pensando em contar uma história em três tempos, a mostra Three Junctures of remix reuniu sob a curadoria de Navas, cinco pioneiros da arte digital, que apresentam trabalhos que tratam a questão da criação artística na era do remix com diferentes abordagens e que, segundo o curador, podem ser classificadas em três instâncias temporais diferentes: o contexto pré-digital ou analógico; o digital e o pós-digital.

Sobre sua mostra conceitual em cartaz até o dia 17 de fevereiro,  Navas explica em entrevista exclusiva para a revista seLecT, o trabalho de artistas como Mark Amerika e Giselle Beiguelman, participantes da mostra, e conta um pouco como sobre o desenvolvimento da história do remix e suas mudanças com a chegada das mídias digitais:

A exposição foi pensada em cima de três diferentes momentos da cultura do remix. O pré-digital, o digital e o pós-digital. Em que medida é possível perceber ou experimentar estes três momentos nos trabalhos selecionados para a mostra?

Eu não sei se há uma tradução em português para a palavra juncture. Em inglês o termo significa um o encontro de dois pontos. Eu uso esse termo para ressaltar os três pontos de encontro (junctures) nos quais muitos elementos, não apenas dois, se conectam. Em cada um dos pontos, o pré-digital/analógica, o digital e o pós-digital há várias atividades culturais que informam o que cada junção é, mas o mais importante a perceber é que cada termo correspondente a um ponto contém a estética de um período particular. O pré-digital, ou o analógico, é o período em que a cultura não era saturada pela tecnologia dos computadores. Essa época tem a ver as primeiras atividades de sampling e hacking. Já o digital se tornou evidente quando o computador se tornou popular e parte do cotidiano mundial. O pós-digital diz respeito ao nosso momento. Quando nós aceitamos o fato de que a digitalização de todas as coisas é dada em todos os aspectos das nossas atividades diárias. 

Elisa Kresinger, participa da mostra Three Junctures of Remix, se apropriando do seriado Sex and the City com o projeto Queer Carrie para criar estratégias de discussão sobre questões de gênero

Como foi o seu processo de seleção dos artistas?

Os trabalhos escolhidos para a mostra não se encaixam em nenhum desses períodos- isso seria muito pedagógico. Ao contrário, eles mostram a complexidade da produção criativa, que é sempre uma transição intricada de um período ao próximo. Como eu declaro no texto curatorial da exposição, os trabalhos escolhidos fazem uso da estética desses três períodos em conjunção_ o que significa que eles estão combinados. A obra de Arcangel Constantini, Optosono 2.0, por exemplo, se encaixa no período pré-digital já que “haqueia” a tecnologia de um computador. Ao mesmo tempo, Constantini recontextualiza um velho projetor com um ship de Arduino fazendo com que o dispositivo realize atividades que somente o digital e o pós-digital conseguem. O trabalho de Giselle Beiguelman, I Love Your Gif, faz uma referência ao período digital da Internet Art, quando os gifs eram muito populares em todos os tipos de websites. Porém, ela atualiza o conceito de GIF, criando uma peça que é experimentada com o uso do iPad. Neste contexto, ela tece um comentário sobre a relação dos três momentos de junção.

Já que a curadoria foi idealizada utilizando o conceito de remix, você poderia explicar um pouco mais sobre as mudanças que essa prática, e que o prórpio conceito, sofreram desde o seu começo?

A única mudança que ocorreu é aceitação do remix como um conceito que contextualiza o estado atual de nossa produção criativa. Eu penso que as pessoas aceitam melhor que elas tomam formas e ideias, bem como as técnicas e tecnologias, de gerações posteriores ou mesmo de seus parceiros, para desenvolverem criações que elas chamam de próprias. 

Antes dos anos 1980, havia um grande pessimismo porque estávamos começando a perceber que isso é o que sempre fizemos. Este foi o fim do período pós-moderno, quando os artistas frequentemente declaravam “nada é original. Tudo já foi feito. Vamos apropriar.” Essas citações são uma paráfrase que criei para encapsular o modo como passei a ver esse período. Eu fui influenciado por essa atitude diretamente enquanto frequentava a escola de arte. Uma coisa que o crítico de música Simon Reynolds aponta em seu livro recente, Retromania, é que o ato de remixar, em si mesmo,não mudou. 

O ato, técnico e formalmente, é sempre o mesmo: você pega duas ou mais coisas e as une. O que muda é a tecnologia para realizar a combinação. E porque nós amamos gadgets e novos brinquedos, esta mudança corrente de novas tecnologias para novas tecnologias fazem com que o ato de remixar inovador para as próximas gerações. Outra coisa que mudou é atitude em torno da propriedade intelectual. Enquanto corporações ainda tentam controlar sua produção, agora elas querem que parte disso flua, se torne viral. As vezes, quando eles se tornam conscientes de que não vão conseguir derrubar um vídeo viral no YouTube, por exemplo, eles simplesmente colocam um comercial na frente do vídeo ou outro anúncio no final da tela. Este não é sempre o caso, mas essa mudança na cultura do remix em si é boa para o futuro da produção criativa.

Arcangel Constantine

Obra Optosono, criada por Arcangel Constantini. Photo: Arcangel Constantini

Os artistas selecionados para essa mostra possuem uma história pioneira no trabalho com mídias de interfaces digitais e práticas de remix. É possível falar de diferenças geracionais entre os artistas da década de 1990 e artistas mais jovens que usam a abordagem do remix em suas práticas? Como você vê as mudanças e as escolhas de alguns artistas digitais ao longo dos anos no uso do remix?

Quando eu me aproximei dos artistas eu não pensei em termos de diferenças geracionais. Eu apenas pensei sobre o tema da exposição e avaliei os artistas que eu sigo ou com quem já trabalhei por um tempo e decidi convidá-los. O aspecto geracional é certamente um elemento que pode ser discutido, mas eu não foi o fator chave na minha curadoria. Eu estava mais preocupada em convidar artistas que eram sensíveis aos conceitos que eu queria explorar na mostra. Eu acho que os artistas que escolhi, no começo, não estivessem conscientes de que durante o início de suas carreiras eles estavam remixando. Eventualmente, eles o fizeram e abraçaram a causa abertamente. Mark Amerika, por exemplo, desenvolveu sua produção artística mais recente em torno do conceito de remix, e tem produzido alguns dos mais importantes trabalhos em torno desse discurso.
Uma das facetas mais interessantes do conceito dessa exposição está no termo remix pós-digital. 

Duchamp

Micro-Cinematic Essays on the Life and Work of Marcel Duchamp dba Conceptual Parts, Ink, de Mark Amerika.

O que você considera pós-digital? É possível vislumbrar um futuro para a estética do remix ou isso se tornará tão intricado no nosso cotidiano que não perceberemos o fenômeno mais?

Essa é uma ótima questão. Eu acredito que ter respondido em parte em uma pergunta anterior. Quando uso o termo pós-digital eu quero dizer que nós não mais consideramos os meios de produção com a tecnologia digital. É simplesmente a maneira como produzimos. Usar o termo “pós” em frente a palavra digital pode fazer com que algumas pessoas cautelosas assim como quando o termo “pós” foi usado na frente de “moderno”. Mas a questão não é para ser entendida da mesma maneira. Eu apenos faço uso do termo para apontar que nós, agora, estamos muito conscientes do papel do computador em todas as facetas da nossa produção diária. A maioria das pessoas não percebe a estética do remix em suas vidas atualmente. Então, não importa em que estágio você pode estar considerando em relação a essa pergunta. A verdadeira questão é desenvolver uma visão crítica sobre a produção cultural e criativa que permita você notar todas as coisas, inclusive os processos remixagem. O remix sempre será percebido por aqueles que desenvolvem uma atitude crítica em relação a vida, assim como os artistas do passado: retornando aos Dadaístas e certamente percebendo como as coisas sempre influenciam umas as outras.