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VAN 5, apocalipse em curso (Foto: Sara Canto)
Postado em 04/05/2021 - 11:12
Um meio de transporte
Revista VAN, do Instituto Federal do Rio de Janeiro, reafirma propósito que leva em seu nome de conectar centro e a periferia

Meio de transporte alternativo, a van é uma locomoção comum para os cariocas. É também o nome da revista de moda do Instituto Federal do Rio de Janeiro, uma publicação semestral dos estudantes do Curso Técnico de Produção de Moda que surgiu da necessidade de produzir imagens que dialogassem com a Baixada Fluminense, região onde o campus está localizado. Finalista do Prêmio seLecT de Arte e Educação em 2020, a VAN vem reafirmando o propósito de construir uma periferia que se afirma para além do centro sem deixar de construir pontes – como o veículo que transporta os moradores – entre esses dois eixos.

Criada em 2019, a publicação tem como proposta a criação de novas imagens para o mundo da moda, imagens que partam das vivências pretas e periféricas. Sua quinta edição, a primeira produzida de forma totalmente remota, devido às limitações impostas pela pandemia, elege o tema Reinventar, com ideias desenvolvidas a partir da vida durante a pandemia, como a desordem e o dress code para o fim do mundo, além da necessidade de pensar em possibilidades para o futuro.

Capa VAN 5 (Foto: Karine Sousa)

A opção editorial, que inclui ensaios mais apocalípticos a outros um tanto quanto esperançosos, reafirma a necessidade de acreditar em um caminho possível. O mesmo caminho que, de certa forma, a VAN vem traçando desde o início de sua existência. Se o município de Belford Roxo, onde está localizado o campus, é lembrado pela violência – em 2019, de acordo com levantamento feito pela plataforma Fogo Cruzado, Belford Roxo liderou o número de tiroteios na Baixada Fluminense –, os editoriais produzidos pelos alunos mostram toda a potência da periferia, buscando, por meio de discussões em torno da existência negra, periférica e LGBTQIA+, contestar não só a imagem do local onde estão inseridos, como a do mundo da moda de forma geral.

Essa vontade de explorar as situações por outra ótica fica evidente no ensaio A Beleza que a Violência Esconde, com fotografia de Brena Araujo, publicado no número quatro. Nele, a barreira de Itaipu, local conhecido pelo assassinato da irmã Filomena Lopes Filha, é cenário para um editorial que explora principalmente a liberdade e a leveza, em modelos que priorizam tons claros e tecidos suaves – entre as fotos, inclusive, aparece a cruz fixada à época da morte de Filomena. “Em vez de ignorarem a violência, eles a trouxeram para o centro do debate e essa é uma discussão urgente, sobre como ressignificar esse passado e se reapropriar desses territórios de outra maneira”, diz Lara Ovídio, professora de fotografia no IFRJ e editora da Revista VAN.

VAN 5, Vestiveis (Foto: Karine de Souza)

Na edição #5, o próprio percurso editorial caminha em direção a uma mudança de sentido, desta vez, como forma de reapropriação do momento em que estamos vivendo. No primeiro ensaio, Apocalipse em Curso, por exemplo, Sara Canto parte da sensação de que o fim do mundo é bem mais tedioso do que poderíamos imaginar, sem zumbis rondando as cidades e com todas as pessoas dentro de suas casas. As fotografias, que representam muito bem a clausura a que muitos de nós estamos submetidos, se concentram no espaço limitado de um banheiro, onde o vermelho das vestimentas se contrapõe ao azul-celeste dos azulejos. Se a estudante explica que o vermelho escolhido para os looks representa a cor da espera, outros ensaios também priorizam um tempo em suspenso, no qual não sabemos se algo existirá depois.

VAN 4, Geração Z (Foto: Divulgação)

Em Criatura, corpos andróginos vestem peças destroyed, vazadas, transparentes e justas, criando modelos que simbolizam a incerteza e até mesmo a sensação de sufocamento, o que fica evidente pela meia arrastão que chega a cobrir a face e a opção por imagens desfocadas. Aos poucos, no entanto, a revista dá espaço a alguma esperança. Em Vestíveis, a referência de Karine de Souza é a artista Lygia Clark e o incômodo proporcionado antes pela meia arrastão agarrada é substituído por redes que repousam sobre o corpo da fotografada, em um movimento de afeto, cuidado e proteção.

Por fim, em A Liberdade é Vibrante, Thaís Siqueira aposta nas cores fortes da natureza para ressignificar o momento atual. “A ideia de reinvenção tinha a ver com as transformações pelas quais passaram nossos cotidianos e nossas vidas durante a pandemia da Covid-19. Partimos da necessidade de ressignificar o trauma, o que reafirma o desejo da revista de experimentar e apontar novas possibilidades para a moda”, resume Lara.

Revista Van