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Postado em 20/11/2012 - 11:30
Uma curadoria de encontros
Fernanda Assef

Primeira edição do MOVE CINE ARTE instaura um espaço para a reflexão e o debate sobre o audiovisual voltado para a arte

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Bate-papos para durar o tempo de uma taça de vinho, depois de assistir a filmes sobre arte em confortáveis sofás na charmosa Monte Verde. Com esta proposta se desenrolaram as conversas sobre as sessões na primeira edição do Move Cine Arte no feriado de 15 a 18 de novembro. 

A cada debate, provocadores instigavam a plateia levantando argumentos e aguçando a percepção de cada um dos filmes exibidos. Entre estes provocadores estavam os diretores nacionais como Marcelo Grabowsky (“Testemunha 4”), Marcela Lordy (“Ouvir o Rio”) e Paula Alzugaray e Ricardo Van Steen (“Shoot Yourself”), os membros do júri Chris Mello, Reinaldo Cardenuto e Simone Molitor; os idealizadores do festival Andre Fratti Costa (curador), e Tassia Quirino (diretora); e Steve Bisson, diretor do Asolo Art Film Festival, festival de filmes sobre arte que acontece há 40 anos na Itália.

Debater “filmes sobre arte” pode parecer uma tarefa hercúlea em uma pequena cidade, mas não foi o que aconteceu. Muitos dos espectadores revelavam não possuir intimidade com a arte contemporânea e as questões abordadas por críticos e artistas na atualidade, mas participavam das conversas de forma envolvida e emocionada. A cada debate, isso deixava claro que a arte, antes de tudo, aproxima e que este tipo de filme é sim, um convite a chegar mais perto, a se deixar “machucar” e modificar sua visão de mundo como declarou um dos espectadores anônimos da plateia depois do filme “Shoot Yourself”, que ganhou o prêmio Poéticas Investigativas .

A variedade de linguagens artísticas – teatro, dança, arquitetura, pintura, fotografia, design – enriqueceu ainda mais as possibilidades de acesso o interesse do público por cada filme, o que ficou claro nos debates que traçavam relações diversas sobre formatos e impressões. Por esta razão, Costa define o seu trabalho como uma curadoria de encontros, o encontro do cinema com diversas linguagens artísticas, mas também a missão de acolher o público em seu encontro com questões da arte contemporânea.

Pensamento Wikipedia Associações sistêmicas e raciocínios cíclicos caracterizaram os debates. A maneira de pensar de nossa “sociedade do raciocínio ‘WIKIPEDIA’”, como definiu Steve Bisson, permitia traçar paralelos e debater – de forma profunda e crítica – o homem e sua relação com o mundo através da mais ousada e contundente ferramenta que temos: a arte. 

Dentre alguns assuntos reincidentes, que se mostraram latentes nos debates após as diferentes sessões, está a relação do homem com a cidade. Alguns destes filmes se referiam diretamente à arquitetura, como o documentário “Christian de Portzamparc, um Arquiteto em Movimento” (Daniel Ablin, França) e “Meu Playground” (Kaspar Astrup Schröder, Dinarmarca). Outros provocavam essas associações. É o caso de “O Verde Crescerá Sobre Suas Cidades” (Sophie Fiennes, Inglaterra) e “Objeto sem corpo” (Fabrizio Saiu e Paolo Asaro, Itália). No último, segundo Steve Bisson a experimentação e a relação surgia como forma de “se apropriar deste corpo arquitetônico (grandes construções abandonadas) e reinventar um espaço morto”.

Na mesma sessão diante de outro curta, “Andrej” (Victor Asliuk, Bielorussia), a diretora Marcela Lody, na plateia, comentou que as dolorosas imagens das pinturas de Andrej pareciam se expressar na ação libertadora do percussionista italiano, como se os dois filmes juntos pudessem ganhar novo significado. A necessidade de lidar com a dor e com a morte também era frequente nas conversas geradas por filmes. “Primeiras Trevas” (Denise Wyllie e Clare O Hagan, Reino Unido) e “Vida em movimento” (Bryan Mason e Sophie Hyde, Austrália) traziam este fato no próprio argumento. 

Mas a guerra e seus sofrimentos ocuparam e por vezes sobrepujaram ao assunto inicial em filmes como “Testemunha 4” (Marcelo Grabowsky, Brasil), que ganhou o prêmio Diálogos Fronteiriços, e “A Maleta Mexicana” (Trisha Ziff, México e Espanha). Neste último, os registros de fotografias perdidas de grandes fotógrafos muitas vezes perdia espaço para o horror daquilo que retratavam, a Guerra Civil espanhola. Fazendo surgir outro debate que se tornou pungente: como lidar com registros? 

A diretora do festival, Tassia Quirino, que participou do debate junto com o jurado Reinaldo Cardenuto e a pesquisadora Laura Carvalho, relata que pelo fato de o assunto da Guerra Civil ser muito amplo, no debate, o argumento histórico ganhou maior importância que a obra. “Quando o tema é grande demais ou o que se deseja abordar é complexo demais, isto impede uma originalidade formal? Mas há também outro extremo: quando a originalidade formal deixa de lado o tema e o filme acaba se tornando inacessível”, questionou Quirino, apontando para as formas de se registrar e as escolhas do diretor-autor.

Voltando ao tema da morte e da dor, “Testemunha 4” trazia como material uma peça sobre o holocausto e acompanhava uma das atrizes com um depoimento difícil e doloroso em mais de quatro apresentações seguidas. A repetição do teatro para ser viva não pode ser uma mera repetição. E o sofrimento da personagem ultrapassava o tempo da atriz no palco e a dominava também nos intervalos. Como ser instrumento de uma história se não se deixando envolver por ela? “O teatro é vivo, sua efemeridade é sua força, e foi isso que quis mostrar com o vídeo. Cada apresentação é uma apresentação, cada vez que se entra em cena é única”, revela o diretor Marcelo Grabowsky.

Lidar com a inevitabilidade da morte e a efemeridade estão por traz de cada pincelada do filme “Opalka – Uma Vida, uma Obra” (Andrzej Sapija, Polônia), um dos quatro filmes premiados, e o desejo pungente de vencer esta efemeridade apareceu nos debates dos filmes “Ouvir o Rio: Uma Escultura Sonora de Cildo”(Marcela Lordy, Brasil) e “A Arca do Éden” (Marcelo Felix, Portugal), prêmio de Melhor Filme.

Nos dois filmes surgia a questão do como lidar com o fim da existência de espécies na natureza que vai sendo destruída pelo homem. Nos dois filmes a questão do registro surge como uma forma, sempre imperfeita, de resistir a efemeridade. Mas poderia o registro dar conta de tanto?

O filme “Shoot Yourself” (Paula Alzugaray e Ricardo Van Steen, Brasil) veio no decorrer do festival aprofundar esta questão ao colocar de forma criativa para o público as diferentes relações de artistas contemporâneos com o registro audiovisual de performances, talvez a modalidade mais efêmera da arte contemporânea. O filme permitiu ao espectador ir além ao revelar os diretores se adaptando a cada novo entrevistado e às possibilidades de diálogo que ele impunha através de sua obra ou de sua postura diante do entrevistador. “O diretor assumir uma atitude diante da câmera como em um embaralhamento de posições torna a abordagem libertadora”, colocou a jurada Chris Mello.

Missão 

Assim, o Move Cine Arte, em sua primeira edição, mostra a que veio: formar público, não apenas para si, mas para a arte. Steve Bissou, diretor do festival Assolo – o primeiro do gênero que já esta em sua 31ª edição – traduziu bem ao dizer que a função de festivais como este é lançar um olhar compreensível para a arte contemporânea e trazer acessibilidade às obras de arte através do cinema. 

“O artista é o ser que nos aponta as possibilidades deste mundo. É preciso garantir que ele seja ouvido, é preciso dar espaço a ele” explica Andre Fratti Costa que percebia no Brasil uma carência de espaço para filmes deste gênero. “A ideia deve sobreviver, para alem dos curadores e das instituições. Se um dia o Assolo deixar de existir, existirá o Move Cine Arte”, declarou Bissou em um dos bate-papos.