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Postado em 10/10/2013 - 8:31
Urbanismo estratégico
Guilherme Kujawski

Em sua décima edição, a bienal reflete sobre as cidades contemporâneas

Legenda: Cinema Lascado #2: Perimetral, de Giselle Beiguelman, parte da programação da X Bienal de Arquitetura

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A urbanização é agora o tema dominante do momento, devido ao choque de realidade pela qual a humanidade foi obrigada a se submeter. Cidades são organismos vivos, que dependem tanto de sua constituição interna (planos diretores, leis de zoneamento, etc.) como do entorno em que estão inseridas. Mas a relação mais importante é o acoplamento estrutural entre a cidade e sua população. Segundo dados do World Health Organization, seis em cada 10 pessoas vão viver em uma cidade em 2030 e, em 2050, essa proporção vai aumentar para sete em cada 10 pessoas. Isso dá o que pensar.

É nesse tom que Bienal de Arquitetura de São Paulo chega à sua décima edição com o tema Cidade: modos de fazer, modos de usar. Sugere uma retomada do espaço público urbano, ou melhor, um tipo de urbanismo DIY (do it yourself, ou faça você mesmo). Vai em direção ao urbanismo estratégico, uma forma de pensar o espaço urbano de forma mais crítica e racional, uma postura totalmente contra o desenvolvimento urbano laissez-faire, em que a especulação imobiliária recebe carta branca para marretar o passado, passando seus bulldozers em cima de preciosidades como o Palacete Santa Helena, o mais fantástico prédio já construído na cidade de São Paulo.

A grande novidade dessa edição, com curadoria central de Guilherme Wisnik, é a distribuição dos eventos e atividades em uma rede espalhada pela cidade. A rede principal de espaços expositivos é composta por pontos como o Centro Cultural São Paulo, SESC Pompéia, Museu de Arte de São Paulo, Museu da Casa Brasileira, Centro Universitário Maria Antônia, Praça Victor Civita e outros. Há também uma rede expandida, que inclui a Casa do Povo, Cemitério do Araçá, Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, Teatro Oficina, Galeria Choque Cultural e Teatro Oficina.

High Line Minhocão

As opiniões acerca do Elevado Presidente Costa e Silva, o Minhocão, são difusas, apaixonadas e contraditórias. Há os que querem implodir a “excrescência” urbana, desvelando de volta as fachadas art nouveau dos prédios da Avenida General Olímpio da Silveira; mas há também os que têm uma ligação sentimental com o legado do “engenheiro” Paulo Maluf, como fica patente nos testemunhos dos moradores dos prédios ao redor, registrados no documentário Elevado 3.5 (produzido pela Primo Filmes).

Na Associação Parque Minhocão serão discutidas propostas ligadas a vias elevadas nas grandes cidades, como o High Line, em Nova York, um parque linear de aproximadamente dois quilômetros construído numa via férrea suspensa que passa pelos bairros Meatpacking, West Chelsea e Hell’s Kitchen/Clinton. É um verdadeiro “jardim suspenso”, ou melhor, um parque suspenso, que conta com bancos para leitura e “belvederes” para a contemplação do Rio Hudson. Há um projeto semelhante para o Minhocão, mas até hoje não saiu do papel. Enquanto isso, produtores culturais e artistas investem na contra-significação dessas vias, como por exemplo, o projeto Cinema Lascado, de Giselle Beiguelman, série videográfica que aborda cicatrizes urbanas marcadas pela construção de vias elevadas (Cinema Lascado #2: Perimetral faz parte da programação da bienal); ou o festival de cultura BaixoCentro, que ocupa o Minhocão de forma criativa de tempos em tempos.

Anhangabaú: jardim tropical

No campo da ficção, há uma técnica conhecida como “what if”, que parte do seguinte princípio: o que aconteceria se a história tomasse um rumo diferente? Pois então, a programação expandida da bienal inclui o colóquio Conversando sobre Lina Bo Bardi, um verdadeiro exercício de narrativa condicional que vai especular como seria o mais famoso vale paulistano se Lina Bo Bardi tivesse vencido o Concurso Nacional de Projetos para a Recuperação do Vale do Anhangabaú, realizado pela prefeitura em 1981.

Além do colóquio, a proposta de Lina Bo Bardi também é tema da exposição Anhangabaú: Jardim tropical, que o Instituto Lina Bo e P. M Bardi realiza na Casa de Vidro. Os visitantes poderão ver os desenhos e maquetes do projeto original, que previa a transformação do fundo do vale em um parque com solo permeável e densa vegetação, atravessado por um viaduto elevado para os carros, o que remete, ao menos na imaginação, ao Edifício-Viaduto planejado por Le Corbusier para a cidade do Rio de Janeiro; ou até mesmo as ruas idealizadas por Fritz Lang no filme Metrópolis, de 1927.

Carrópolis

É muito oportuno a X Bienal de Arquitetura colocar em pauta o espinhoso tema dos carros, o maior desafio das cidades do século 21. E, o mais curioso, é tratar desse tema dentro da esfera das artes visuais, em especial a fotografia. Vários artistas já exploraram a questão dos carros, sendo que alguns deles transformaram o próprio automóvel em suporte (Gabriel Orozco) ou plataforma conceitual (Edward Ruscha). Na base principal da rede bienal, o Centro Cultural São Paulo, uma mostra com fotografias de Cássio Vasconcellos, Álvaro Domingues, Robert Venturi e Denise Scott Brown funciona quase como um manifesto contra o modelo rodoviário adotado pelas municipalidades, um grito de alerta respaldado pelo relatório do Observatório das Metropólis, no qual é apontado que 47.2% dos 50.2 milhões de carros brasileiros rodam em apenas 15 regiões metropolitanas.

As séries de fotos aéreas, feitas de helicóptero, são a marca do fotógrafo Cássio Vasconcellos. Na exposição do CCSP, ele apresenta a série Pátios e Estacionamentos, composto também por aéreas, o que nos dá a dimensão exata do volume e quantidade de automóveis dispostos em estacionamentos urbanos, mas ao mesmo tempo extrai uma reticularidade estranhamente alinhada, como se os carros fizessem parte de um estudo sobre as leis fundamentais da forma. É um trabalho que nos faz pensar sobre propostas utópicas de cidades sem carro, novas tecnologias para calçadões e até mesmo projetos “teórico-futuristas”, como o Hyperloop.

Subterrâneos

Os níveis abaixo da superfície são contemplados na bienal. É possível considerar que as regiões subterrâneas das metrópoles formam outra cidade, com suas passagens, átrios e canais. Veja o caso da grande cidade subterrânea de Derinkuyu, distrito na região da Capadócia, Turquia, uma rede de túneis situada a oitenta e cinco metros de profundidade. O conceito de cidades subterrâneas é levado muito a sério, como prova a Subterranea Britannica, uma sociedade sediada no Reino Unido que agrega exploradores de estruturas subterrâneas construídas por humanos, tais como sistemas de túneis e bunkers.

Legenda: Trailer de Subsolo, documentário de Sonia Guggisberg 

No CCSP, a artista paulistana Sonia Guggisberg apresenta o documentário Subsolo, sobre a obra interrompida nos anos 1970 abaixo da Avenida Paulista. Neste trabalho, Sonia procura mostrar que narrativas enterradas nunca terminam mesmo quando relegadas à invisibilidade. O documentário tem depoimentos de Boris Casoy (porta voz do prefeito da cidade na época), do arquiteto Nadir Mezerani (que a partir da pesquisa da artista redesenhou o projeto), do urbanista Celso Franco, entre outros. Sobre o documentário, o antropólogo francês Jacques Leenhardt escreveu: “a ideia de urbanismo subterrâneo permaneceu suspensa entre a utopia e o nada, como um poço obscuro do qual, quarenta anos mais tarde, a verdade ainda tem que ser descoberta”.

Idealização urbana

Como parte das atividades paralelas da bienal, acontece o Ideas City no SESC Pompéia, uma conferência voltada para a discussão sobre o futuro das cidades, mas sem laivos “futuristas”. O evento começou em 2011, sob o nome Festival of Ideas for the New City, e tem entre seus organizadores Karen Wong, do emblemático New Museum. A proposta é criar uma plataforma para artistas, arquitetos, engenheiros, designers e urbanistas proporem soluções ousadas, mas que tenham uma sobrevida em longo prazo.

As mesas de discussão tocam em temas como o papel dos centros (downtown), assunto pouco discutido em função da importância que ganharam os subúrbios (na acepção de “bairros satélites”). O papel da tecnologia no âmbito urbano é abordado em uma mesa na qual participam Jillian C. York, da Electronic Frontier Foundation, e Giselle Beiguelman, editora-chefe da seLecT. A transformação da ira de setores da população urbana em forças criativas também é tópico, assim com a ideia por trás da expressão NIMBY (Not In My Back Yard), que se refere à resistência a projetos polêmicos que afetam o entorno de algumas áreas urbanas, como a construção de aeroportos e estações de metrô.

Veja a programação completa aqui.