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Postado em 16/05/2012 - 6:02
Velho lobo-do-mar
Nina Gazire e Paula Alzugaray

Há 35 anos navegando e patrulhando os sete mares contra a caça ilegal de animais marinhos, o capitão Paul Watson usa uma bandeira pirata e inventa técnicas radicais de interceptação de navios

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Famoso pelas técnicas de guerrilha investidas na proteção da vida selvagem e da biodiversidade marinha, o capitão Paul Watson já interceptou centenas de navios em 35 anos de atividade. À frente da Sea Sherpherd Conservation Society, rede internacional com braços em 20 países, conseguiu proezas como desativar a máfia das barbatanas de tubarão das Ilhas Galápagos e a proibição do comércio de produtos derivados de focas pelo Parlamento Europeu. Em sua coleção de bravas campanhas contabiliza o salvamento de milhares de baleias, em mares ocidentais e orientais. Mas não apenas isso.

Agora a equipe da Sea Shepherd (Pastor do Mar) também intercepta aviões. Em fevereiro último, impediu que a Hong Kong Airlines transportasse golfinhos vivos do Japão ao Vietnã.

Paul Watson nasceu numa vila de pescadores no Canadá há 62 anos. Sua trajetória como ativista ecológico começou aos 11, resgatando castores presos em armadilhas. Aos 18 foi cofundador do Greenpeace e participou de sua primeira missão, na ilha Amchitka, no Alaska, em protesto contra testes nucleares. Era o mais jovem membro do grupo. “A preocupação com a ecologia começou no fim da década de 1960, com os movimentos militantes. Naquela época, uma pessoa mediana não sabia o que a palavra ‘ecologia’ significava”, diz Watson, que afirma ter acompanhado a diminuição progressiva da diversidade marinha desde os anos 1950. “Tomei consciência bem cedo de que, se os nossos oceanos morrerem, morreremos também.” É por isso que hoje ele passa dez meses por ano em alto-mar. E foi de lá que conversou com seLecT.

O senhor já foi casado três vezes e sempre conciliou as atividades domésticas com as campanhas: todas as suas esposas trabalharam com o senhor em alto-mar. A Sea Shepherd encoraja seus membros a envolverem suas famílias nas atividades da organização?

CAPITÃO PAUL WATSON: Atualmente não estou casado. Finalmente aprendi que a vida de casado e o ativismo em alto-mar não combinam muito bem. Mas tenho uma filha maravilhosa do meu primeiro casamento e a amizade de uma vida inteira com minha primeira esposa. Ocasionalmente temos casais trabalhando conosco e os pais que querem trazer seus filhos só podem fazê-lo sob a condição de eles terem mais de 18 anos.

Como lhe ocorreu criar a estratégia de colocar os militantes do Sea Shepherd entre as baleias e os arpões?

Tive essa ideia em 1974. Em 1975, Bob Hunter e eu fomos as primeiras pessoas a nos colocar como escudos humanos entre baleias e armas. Estávamos lendo muito sobre Gandhi e acreditávamos que um baleeiro não sacrificaria a vida de um ser humano para caçar uma baleia. Mas rapidamente descobrimos que Gandhi não funcionava no nosso caso. Foi por isso que resolvi desenvolver uma estratégia mais agressiva de não violência, afirmando que poderíamos obstruir, molestar e danificar equipamentos e armas usados para matar animais marinhos. Nossa estratégia não é a de ferir pessoas, mas de preveni-las de cometer violência contra outras espécies.

O logo da Sea Shepherd é uma caveira cercada de símbolos ligados ao mar. A semelhança com a tradicional bandeira pirata não é mera coincidência. Fale-nos sobre a escolha desse símbolo.

Não foi a frota naval britânica a responsável pelo fim da pirataria no Caribe do século 17. Suborno e corrupção possibilitaram que a pirataria crescesse. A pirataria no Caribe foi finalizada por Henry Morgan, ele mesmo um pirata. Foi o pirata John Paul Jones quem fundou a marinha naval americana e o pirata Francis Drake derrotou a armada espanhola. Esses piratas eram cooptados sem se submeter à burocracia. Além do mais, as crianças adoram a bandeira pirata. Ela é provocativa e certamente chama a atenção.

Em 35 anos de atividades no mar, qual foi a missão mais difícil de executar?

Tivemos muitas missões difíceis, alguns diriam até impossíveis. Descobri que a paciência é o segredo. Persistência é a chave, nunca desista. Levamos anos para atingir nossos objetivos. Gastamos mais de 30 anos para acabar com o mercado de pele de focas.

Temos combatido o massacre de golfinhos no Japão, desde 2003; a caça às baleias nos oceanos do Sul, desde 2002; e as baleias-piloto, também conhecidas como baleias-caldeirão, nas Ilhas Faroe, no Atântico Norte, desde 1983. Já nos bateram, fomos alvo de armas de fogo, tivemos nossas vidas ameaçadas e até fomos parar na cadeia. Isso é o que fazemos e o que nos torna bons. Não consigo dizer qual missão foi a mais difícil, porque todas foram igualmente árduas.

A Antártida, as Galápagos, o Japão e o Mediterrâneo estão entre as maiores áreas de atuação da organização hoje. O que mudou nesses lugares?

Nos oito anos que estamos atuando na Antártida, os índices de matança diminuíram significativamente.
Na última estação, os japoneses usaram apenas 17% da cota permitida para a caça de baleias. Conseguimos alcançar o nosso objetivo e isso teve enorme influência econômica nas frotas japonesas. Algumas até faliram. Hoje elas estão endividadas e dificilmente vão se recuperar. Eles retornaram esse ano apenas porque receberam um subsídio de US$ 30 milhões dos EUA, retirado do fundo destinado à recuperação por causa do Tsunami no ano passado. Nas Ilhas Galápagos, instalamos um sistema de vigilância Automatic Identification System (AIS – sistema de monitoração de curto alcance utilizado em navios e serviços de tráfego) para identificar embarcações de pesca ilegal na reserva marinha. Também utilizamos uma matilha para farejar nadadeiras de tubarões e organizamos uma equipe de rádio e advogados para dar consultoria. No Mediterrâneo, denunciamos o esquema de corrupção que quase extinguiu o atum-de-nadadeira-azul.

Em Taiji, no Japão, reduzimos a matança de baleias pela metade nos últimos dois anos. No último verão, patrulhamos as costas das Ilhas Faroe e nenhuma baleia-piloto foi morta durante o tempo que estivemos lá.

E no Brasil, vocês já realizaram alguma campanha por nossas águas? Nós temos a maior costa de mar do mundo, com uma biodiversidade diferente de outros mares.

A Sea Shepherd Brasil foi fundada em 1998. A organização no País tem sido coordenada por brasileiros e tem se oposto à pesca ilegal, à matança de golfinhos e o resgate de animais em vazamentos de óleo. A Sea Shepherd também tem sedes no Chile, na África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Temos grande interesse em atuar nos mares do Sul.

Como a Sea Shepherd se posiciona em relação à conferência Rio+20, que acontecerá em junho no Rio de Janeiro?

Participei de uma conferência sobre biodiversidade em Estocolomo, na Suécia, em 1971 e, 20 anos depois, da Eco-92, no Rio de Janeiro. O que eu vi foram políticos se reunindo para conversar sobre questões para as quais nunca realmente deram atenção. Muita conversa e pouca ação. A mudança vem com imaginação, iniciativa, coragem, paixão de indivíduos; vem da superação de barreiras burocráticas governamentais. Eu devo participar do encontro de 2012, mas não tenho nenhuma expectativa de mudança ou progresso.

*Publicado originalmente na edição impressa #5