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Pôsteres de ações do DTP entre 2016 e 2020 (Foto: Cortesia Decolonize This Place)
Postado em 28/09/2022 - 4:30
“Você pode ser professor e querer abolir a universidade; você pode ser artista e querer abolir o museu; você pode ser cidadão e não querer um Estado-Nação”
Para o movimento DTP, a arte, a Universidade e a cidade são a plataforma de luta pela soberania indígena, negra, Palestina Livre, trabalhadores assalariados globais, desgentrificação e desmantelamento do patriarcado

7 de maio de 2016. Sob uma bandeira com o texto “Decolonize This Place, ativistas ocupam o Brooklyn Museum, em Nova York, movidos por três causas. Primeiramente, questionavam o enfoque de duas exposições em cartaz: o tratamento estetizante de imagens e objetos de movimentos radicais, conferido pela curadoria da mostra AgitProp; e o caráter propagandístico a Israel em mostra de fotografias de paisagens do Oriente Médio.

O terceiro alarme, o processo voraz de gentrificação do bairro do Brooklyn. Embora aparentemente fato externo ao museu, foi relacionado às suas diretrizes ideológicas, quando um proeminente empresário do mercado imobiliário foi identificado na diretoria da instituição. Dois anos depois, outra ação em torno do museu do Brooklyn, desta vez sob a bandeira “Eles querem arte, não pessoas”, mirou seu acervo de objetos de arte africana e indígena, exigindo a formação de uma Comissão de Descolonização para a devolução das peças roubadas de sociedades colonizadas nos séculos 19 e 20.

Entre os ativistas estavam Amin Husain, que havia se mudado da Palestina para Nova York para estudar Direito, e Nitasha Dhillon, graduada em Matemática na Índia. Eles se conheceram no Centre for Photography e juntaram forças criando, em 2010, o coletivo MTL+, que combina pesquisa, ativismo e práticas artísticas em filme, fotografia, intervenção e instalação.

Decolonize This Place foi o resultado de anos de ações do MTL+, conjugadas a lutas de outros movimentos, como Occupy, Black Lives Matter, Standing Rock e Free Palestine. “No que parecem partes sem relação, nós vemos padrões, conexões. Como podemos falar da ocupação da Palestina sem nos referir à terra em que estamos pisando: primeiro roubada dos povos Lenape (habitantes originários de Delaware, New Jersey, Easter Pennsylvania e sul de Nova York), pulverizada pelo mercado imobiliário e agora direcionada para deslocamento de massas? Essas conexões entre lugares e lutas conduzem nossa organização e motivam o verbo no imperativo Decolonize This Place”, afirmam os integrantes, em statement sobre as ações no Brooklyn Museum.

Em seis anos de atuação, o DTP organizou e participou de ações descoloniais de lutas de libertação, contra a gentrificação e a ideologia neoliberal, filantropia tóxica e artwashing em museus de arte, centrando seus atos em megainstituições como Whitney e MoMA. No Guggenheim, protestaram contra as condições de trabalho opressivas de imigrantes asiáticos na construção da filial em Abu Dabi. No Whitney, em 2019, a organização pressionou e obteve a renúncia do vice-presidente do conselho, envolvido com armamentos. No MoMA, o grupo segue pressionando pela saída de um membro da diretoria acusado de assédio e pedofilia, entre outras atrocidades. O grupo de trabalho Strike MoMA, que inclui DTP, Forensic Architecture, Curators and Educators for Decolonization, Artists for a Post-MoMA Future e Comité Boricua en la Diáspora, entre outros, já gerou um documento on-line de 250 páginas de denúncias.

Hoje, o DTP tem oito integrantes, dos quais quatro conversaram com a seLecT sobre seus modos de operar uma formação descolonial. Todos se identificam como artistas e alguns como professores. Amin Husain, professor do curso Art Activism and Beyond, na Gallatin New York University, diz que estão baseados em NY porque “é um lugar muito estratégico para se estar: tem um microfone mais potente”. Nesta entrevista, de qual participam Amiin, Nitasha, Amy Weng e Marz Saffore, eles afirmam que a organização não foi criada só para promover contrainsurgência ou contra-ataques ao sistema, mas para fazer proposições, amplificar lutas, fomentar a solidariedade transnacional e usar os museus como plataformas de formação e prática da liberdade.

Reprodução de página de zine que documenta ocupação do grupo, em 2016, do espaço histórico Artists Space, localizado na linha de frente da gentrificação entre o bairro de luxo Tribeca e o bairro operário de Chinatown (Foto: Cortesia do Decolonize This Place)

seLecT: Em que medida o trabalho de arte, design e comunicação do Decolonize This Place é uma iniciativa contramidiática?

AMIN: Antes de chegarmos à estratégia de contramídia, é preciso pensar que, quando se opõe a algo, você adere à mesma lógica à qual se contrapõe. Isso dita como você responde e, portanto, de que bases parte. É por isso que é importante desvincular (o que fazemos dessa ideia de contra-ataque ou de ações contramidiáticas). Entender que, na verdade, se começar de um lugar diferente, você vai para um lugar diferente. Isso é algo que ficou muito claro no Whitney: começando com a questão do gás lacrimogêneo e terminando com a descolonização.

Podem nos dar exemplos de diferentes estratégias para diferentes problemas, relativos a museus e direitos indígenas, por exemplo?

NITASHA: Acho que devemos falar sobre a ideia do ‘contra’ primeiro. Ela é importante no sentido de dizer ‘isto é a outra parte’, certo? Amin está tentando dizer que é importante desvincular, porque não queremos a reforma dos museus ou a reforma do mundo da arte, essa não é necessariamente a demanda aqui. E você pode ver isso em diferentes campanhas que estão acontecendo – mesmo, por exemplo, agora na invasão da Ucrânia, as pessoas estão se manifestando no Guggenheim e em outros lugares.

A mídia é uma porta de entrada; arte e política é outra porta de entrada; estética, movimento, direito são outras portas de entrada… há tantas geografias. Em cada disciplina há um ponto de entrada para essa conversa. Mas, em termos de se colocar em contraposição, o que diríamos é: o que temos feito com o Decolonize This Place é uma prática fundamentada em um movimento de dissimilação das estruturas patriarcais e coloniais, das quais os museus fazem parte. Não faz sentido reformar algo que está baseado nesse tipo de violência.

Mas o ‘contra’ pelo menos dá ao mundo outra possibilidade de como pensar, como imaginar. Não é apenas contrariar o hegemônico, um governo fascista ou a supremacia branca. É ser contra a essência desse pensamento e pensar toda a estrutura como fraude.

A única coisa com que todos podemos concordar agora é que estamos testemunhando a queda do império ocidental. Você pode ver isso cada vez mais, em tudo. Nesse sentido, então, o ‘contra’ também é uma afirmação. Contrariar é uma afirmação no sentido de: o que estamos vivendo é desumanizante, é extrativista para o nosso planeta, é assassino, é violento… então a afirmação é: essa é uma das maneiras como podemos viver e praticar, viver e nos unir, e nos reunir, e nos mover, e fazer coisas.

Cartazes de ações diretas que buscam converter museus de soberania branca em plataformas de solidariedade descolonial (Foto: Cortesia do Decolonize This Place)

AMY: Eu acrescentaria que é importante enraizar isso na ação no Whitney Museum, que começou por causa do que estava acontecendo na travessia da fronteira do México com os EUA, na forma como as caravanas estavam sendo detidas. Warren Kanders, membro do conselho do Whitney e CEO da Safari Land, empresa que produzia o gás lacrimogêneo sendo disparado na fronteira, foi denunciado por funcionários do museu. As pessoas que trabalhavam lá trouxeram isso à tona, porque sentiam ter uma conexão com aqueles sendo afetados pelo gás lacrimogêneo. Então, nossa atuação não parte de uma vontade de ‘contrariar alguma coisa’. Parte do está acontecendo no mundo agora e de como podemos amplificar a maneira como as pessoas já estão respondendo a isso.

Amin, Amy, Marz e Nitasha, integrantes do DTP, durante entrevista à seLecT (Foto: Cortesia Decolonize This Place)

É verdade; definir a atuação do DTP como contramidiática nos situa em uma estrutura de pensamento que é a que estamos combatendo. Talvez pudéssemos dar um passo atrás e perguntar como vocês definem, então, o Decolonize This Place?

AMIN: Em resumo, não queremos que o Decolonize This Place seja um substantivo, mas que tenha o sentido de uma chamada, um fazer, um verbo uma ação direta. Antes que houvesse um grupo chamado Decolonize This Place, isso foi o nome de uma ação contra o Brooklyn Museum, em relação à normalização do colonialismo na Palestina e contra protocolos do museu e também a gentrificação do bairro. Esses lugares de luta têm uma relação com a instituição. Mas, ao mesmo tempo, não é sobre a instituição. É sobre nós. Essa é a reorientação. Então, em uma linha, Decolonize This Place hoje é uma formação descolonial, facilitada pelo coletivo MTL+, que tem oito membros. E vocês estão falando com quatro deles.

MARZ: Sim, MTL não significa nada (riso de todos). MTL é apenas aleatório. Eu acrescentaria ao que Amin estava dizendo que museus ou outras instituições são como micro- cosmos da sociedade. Ideologias colonizadoras e outras ideias do Estado-Nação são filtradas por essas instituições. Quero dizer, estamos consentindo que os adultos frequentem esses museus, mas o problema são as crianças que vão a esses museus. Isso está afetando sua educação desde o momento em que usam fraldas, até o momento em que se tornam adultas tomando decisões. Então não estamos interessados em museus, para o bem dos museus, ou interessados na arte, pelo bem da arte. Estamos interessados em usar os museus como plataformas de formação e prática da liberdade.

Há também pontos estratégicos e táticos em ir atrás de museus. Porque nós também fomos atrás do Estado em uma campanha completamente diferente chamada FTP – Fuck the Police (Foda-se a Polícia). Foi uma campanha contra a Metropolitan Transit Authority (MTA), em Nova York, e o Departamento de Polícia de Nova York, o NYPD. Aquele era um alvo muito diferente do museu, mas vemos o mesmo tipo de ideias e ideologias que sustentam o MTA e a polícia também sustentando o museu. A diferença é que o museu, como entidade privada, nos oferece alguma proteção contra prisões em massa. Essa é uma pequena diferença tática. Porque, ao contrário do NYPD, o museu tem uma reputação liberal progressista a defender. Então, a última coisa que o Museu de Arte Moderna quer, ou a última coisa que o Whitney Museum quer, ou a última coisa que o Brooklyn Museum quer é que um bando de negros queer indígenas seja preso em seu nome. O NYPD não dá a mínima. Eles prendem queer negros e pardos todos os dias, entende? Ou seja, o museu oferece um amortecedor, mas, ainda assim, somos contra as mesmas ideias que permeiam nossa sociedade.

Cartaz da campanha Fuck the Police (FTP) (Foto: Cortesia Decolonize This Place)

Então vamos dizer que o museu, por causa de seu simbolismo, não quer ser visto como colonialista, embora seja. Mas o que pode fazer do museu um bom lugar para promover justiça e equidade?

MARZ: Exatamente, mas eu não chamaria isso de simbólico, porque essa é uma violência muito real que o museu comete contra as pessoas, seja como guerra psicológica, seja literal real. A diretoria do Museu de Arte Moderna tem empreiteiros produzindo as bombas que são lançadas ao redor do mundo, inclusive na Palestina. O museu beneficia-se desse dinheiro, assim como se beneficia de sua coleção de arte. Por exemplo, no Whitney Museum, o Warren Kanders, membro do conselho, que é CEO da Safari Land, também é um ávido colecionador de trabalhos de Andy Warhol.

Quando o museu realizou sua grande exposição de Andy Warhol, quem você acha que cedeu a eles a arte para a mostra? Foi ele. Então, acho que basta de eles tentarem fingir que esta é uma violência simbólica. É uma violência real total e, por isso, esses são locais de violência e locais de luta.

NITASHA: Sim, um dos nossos banners diz: “Sob o museu, sob a cidade, sob a universidade, a terra”. Então, de certa forma, além do que Amin e Marz disseram, eu acrescentaria que o museu, a cidade, a universidade e suas estruturas são realmente algumas das coisas que pensamos ser focos do DTP. E a maneira como pensamos sobre isso é como um movimento gerando pesquisa de arte, estética, pensamento, tudo isso vem da prática, do fazer. Uma coisa que podemos compartilhar é a trajetória de como as ações em torno dos museus se transformaram nos últimos dez anos ao fazer esse trabalho. Nova York tem uma história de coletivos de artistas políticos desde sempre, como, por exemplo, o…

AMIN: Black Artist Alliance ou algo?

AMY: The Black Artist Collective?

NITASHA: Sim, o Black Emergency Cultural Coalition, e depois houve outros artistas que fizeram trabalhos, especialmente em torno do Act Up (grupo de ação política fundado em 1987, em NY, em resposta à crise da Aids). O mundo da arte é inerentemente um lugar político. E então passamos para, digamos, 2010, que é quando o Occupy Wall Street e muitas coisas estavam acontecendo. Em 2011, você tinha as revoltas árabes, você tinha o movimento 15, coisas acontecendo na Índia…. O Occupy Wall Street foi traduzido para o Occupy Museums, que tinha na mira 1% dos conselhos de museus. A pergunta era: quem está no conselho? Aqui está a conexão entre dinheiro e arte, que nós sabemos que existe há muito tempo. Mas, se você estudasse o que o movimento estava fazendo, e as narrativas que estavam sendo produzidas a partir dessas ações, elas eram muito diferentes. Por exemplo, em termos de mídia, muitas das reportagens eram sobre manifestantes versus a polícia: muitas pessoas foram presas em Wall Street, muitas pessoas foram baleadas…

Grande parte da mídia de notícias é baseada em prisões, mortes, ferimentos, como se a violência não existisse além desses eventos. Mas a violência também é estrutural, não é apenas um evento. Nesse sentido, as conversas em torno dos museus oferecem um pouco mais de espaço. Ou ofereceram. Acho que superamos isso, especialmente depois de Strike MoMA. É muito importante entender isso porque, desde o ano passado, nós já passamos do limiar dos museus como espaços de ação, publicação, estética e tudo o mais. Podemos dizer isso ainda mais agora, por causa de como as coisas estão se desenrolando, como a guerra é relatada, e como os museus estão funcionando em relação a isso. Então o Occupy Wall Street era isso, e depois a Gulf Labor Coalition, e depois havia um canal de ação direta chamado Global Ultra Luxury Faction, que era sobre práticas de trabalho dentro do museu. Por exemplo, o Guggenheim New York está construindo um flagship em Abu Dabi, mas os Emirados Árabes Unidos e todos os outros países do GCC têm esse mecanismo trabalhista que coloca o trabalhador em dívida por dois anos, sem salários, sem direito de se organizar. Houve movimentos em torno do trabalho e, assim como os salários, essa é uma conversa novamente nos museus.

Como amplificar e como realmente fazer essa solidariedade transnacional emergir, que não seja com base em conversas sobre vitimização? O que acaba acontecendo é do tipo, “oh espere, o Guggenheim New York está bem, mas precisamos consertar ele em Abu Dabi, certo?” (risos).

Reprodução de página do zine Decolonial Operations Manual, documentando atos pela Palestina Livre, pelo direito indígena à terra e à água e pela remoção de monumentos da supremacia branca (Foto: Cortesia Decoonize This Place)

AMIN: Essa é a mesma lógica que explica por que é mais fácil bombardear o Iraque, a Síria e o Afeganistão e foder todos esses lugares do que ver o que está acontecendo na Ucrânia. Em ambos os casos, as pessoas estão sendo fodidas, certo?

NITASHA: Sim, da mesma forma. E depois disso, em 2014, houve uma guerra em Gaza e depois houve o surgimento do Movimento de Libertação Negra, que estava ligado a Ferguson… e então todo esse tipo de coisa começa a entrar no museu, certo? Em 2016, teve o Standing Rock. São todos aprendizados e fracassos de diferentes movimentos, chegando em 2016, na época em que o DTP se formou. Porque o Decolonize This Place vem dessas experiências de fracassos e sucessos desses movimentos, e é por isso que com o DTP criamos seis pautas: soberania indígena, negra, Palestina Livre, trabalhadores assalariados globais, desgentrificação e desmantelamento do patriarcado… e essas pautas vieram da compreensão do tipo de projeto de libertação coletiva que existia naquela época. E ainda existe. Não é que esteja feito, mas isso fazia parte do cerne do pensamento sobre como são os museus, como são as universidades, como são as nossas cidades. A ação do Whitney, a ação do Museu do Brooklyn, as ações do American Museum of Natural History… todas vieram a partir disso.

No American Museum of Natural History, a conversa foi em torno de monumentos, que é uma conversa muito direta sobre a memória pública e quem nós historicizamos. Em todos os lugares vimos monumentos de todos esses colonizadores, incluindo Colombo, sendo derrubados. Isso fez parte da conversa em torno da descolonização. Inclusive no Whitney, onde você tem um membro do conselho que é puro gás – mas o puro gás que é literalmente usado em Tijuana, na fronteira da Palestina, na Turquia, no Egito, em prisões nos EUA.

Assim, o DTP passou da organização em torno do Whitney para a organização em torno da cidade. O museu e a cidade não estão separados. Eles têm o mesmo tipo de estrutura, assim como a universidade. Se você pensar bem, é uma cidade colonizadora para começar. É um museu colonial para começar. É uma universidade colonial para começar. Então, quando você pensa sobre isso, OK, a colonização é baseada em conhecimento roubado. Sabemos que as universidades são apenas fábricas de construção de conhecimentos que depois voltam ao mercado. Museus são lugares de estética, mas a arte é realmente apenas um espaço reservado para a economia da arte.

E então chegamos ao MoMA – vou falar brevemente sobre isso, por favor, complementem –, o que acontece com Strike MoMA. Esse cara, o Leon Black, que está no conselho do museu – foi o tipo de ponto que é só puxar e desatar todo o nó. Leon Black é uma pessoa do conselho do MoMA que foi acusada de assédio sexual e convidada a deixar o conselho. No Whitney, o membro do conselho foi levado a renunciar, mas esse cara não se mexeu. Nem o museu nem o diretor se mexeram. Foi um escândalo internacional, um assediador sexual no conselho do MoMA. Mas ninguém disse nada ou fez nada, exceto uns poucos que faziam barulho – e foram muitos! Mas onde isso nos levou? Isso nos levou a ver quem mais está no conselho do MoMA. E então você percebe que há ali uma diretoria interconectada. Há pessoas que fazem parte, por exemplo, da General Dynamics, parte do sistema de vigilância na América do Sul, parte do sistema de vigilância na Palestina, parte dos mísseis no Iêmen. Isso não é conversa de louco. Isso é realmente a realidade, certo? Então você tem… qual é o nome desse cara… Larry Fink. Queimou a Amazônia inteira e financia a polícia de Nova York. Isso é o conselho do MoMA.

Então, na quarta semana da organização do Strike MoMA, fizemos uma ação chamada The Ruins of Modernity Tour (Tour pelas Ruínas da Modernidade). Partimos do Columbus Circle, paramos em diversos locais e chegamos ao museu. Até então, nunca tínhamos visto um museu se transformar em Estado-Nação. E construir toda uma narrativa em torno de os manifestantes serem violentos, que é a mesma estratégia que os Estados-Nações usam nos movimentos. E agora você vê o MoMA funcionando como um Estado-Nação completo, com o aparato policial, com a contrainsurgência, com a contraestética, não apenas isso, mas, na verdade, construindo toda uma equipe de intelectuais, artistas curadores, escritores que realmente dizem constantemente “oh, o MoMA é válido. Precisamos do MoMA. O que vamos fazer se o MoMA não existir mais como museu?”

Museus e universidades são um ponto muito central para essa conversa. Mas esta é a contradição. Ou seja, dizemos isso em nossos cartazes de luta do Strike MoMA: você pode ser professor e querer abolir a universidade; você pode ser um artista e querer abolir o museu. Você pode ser um artista e mesmo assim não querer a galeria de arte. É assim que você pode ser um cidadão e não querer um Estado-Nação (risos gerais).

Esta é a contradição que estamos vivendo agora. E, então, a partir desse ponto de organizar e pensar sobre o que aconteceu com o MoMA, estamos além de pensar em arte e política, para ser honesta. Nesse ponto está tudo uma grande bagunça. E o que realmente deve ser questionado é: como estamos vivendo? Que infraestruturas estamos construindo para realmente cuidarmos uns dos outros? Como estamos pensando além da ideia de Estados-Nações? Como a identidade é transformada em arma contra nós? Chegamos ao ponto em que, agora, a descolonização tornou-se uma questão mais de diversidade do que realmente de descolonizar as estruturas de poder inerentes. Acho que essas são as conversas que são importantes agora. OK, vou calar a boca.

Sticker da campanha Colonialismo es un Proceso (Foto: Cortesia Decolonize This Place)

Todos vocês são artistas?

AMIN: Deixe-me acrescentar um pensamento ao que… e agradecer por esta fala que foi fascinante, tão divertido te ouvir. Uma coisa importante: nos identificamos como artistas? Sim, a maioria de nós ama o fazer, as relações, o processo. Mas essas noções de identidade não são fixas. Então você entende que o museu também é uma instituição complexa, mas as instituições vêm do Estado, então não é que estamos contra o museu. Não é que os museus não sejam neutros. É que os museus fazem parte de um projeto político que na verdade é geograficamente adjacente – e no mesmo plano – às prisões e delegacias. Isso não significa que não trabalhamos com eles, porque temos de comer.

Quando fazemos algo contra o MoMA, é para mudar os termos nos quais a conversa foi travada. Não é sobre representação ou inclusão ou qualquer coisa assim. Estamos falando de um regime. Ele se consolida em certos nós da cidade, nos espaços urbanos. Estamos falando de uma forma de guerrilha de liberdade e de cuidado e sobre como criar esses mundos. Os museus são lugares a que pertencemos. São lugares onde temos uma reivindicação. A universidade também, e a cidade. Então não é que estamos vindo de outro lugar, mas os impedimentos de como podemos nos mover não são aceitáveis para o DTP. Não são aceitáveis para muitas pessoas com quem trabalhamos. E é por isso que o Strike MoMA foi um momento crucial. Agora, a não assimilação não significa que é como ‘vamos cuidar uns dos outros’. Não somos ingênuos. Há uma guerra acontecendo. Sabe o que quero dizer? Então é sobre quais são os mecanismos de autodefesa. É mais como pensar a partir de um lugar de agência; não dizer simplesmente que você não se importa com o museu.

Capa do Manual de Operações Decoloniais (Foto: Cortesia Decolonize This Place)

Na ação no Americam Museum of Natural History, que teve como foco pressionar pela devolução dos objetos indígenas roubados, retirar a estátua de Franklin Roosevelt, e converter o Dia de Colombo em Dia dos Povos Indígenas…. Vocês estavam trabalhando com o movimento indígena? Porque é um pouco diferente abordar a agenda política por trás do Museu de Arte Moderna e abordar questões sobre a soberania indígena… Como vocês trabalham esses diferentes processos?

AMY: Como a Nitasha descreveu no início, é como se estivéssemos começando com as vertentes da soberania indígena, libertação negra, Palestina Livre, e assim por diante. São pontos de partida que também trazem a questão sobre quem está na sala. Com quem estamos falando. Com quem estamos nos organizando. Quem precisa fazer parte da conversa. Somos um grupo de oito. Mas o fato é que as pessoas com quem estamos construindo se expandem muito além de nós oito. Então, sim, estávamos em comunicação com muitas pessoas, incluindo vários organizadores indígenas, na cidade, fora da cidade também. E é importante que esse trabalho também seja colaborativo e coletivo.

Infográfico das relações entre o sistema de arte e o mundo (Foto: Cortesia Decolonize This Place

Como é a comunicação com outros países, além dos EUA?

AMIN: Muitos de nós, como eu, fomos criados na Palestina. Minha família está lá, as vertentes do nosso trabalho estão ligadas a eles. Muito do que fazemos é, na verdade, baseado em como vivemos e, portanto, refletimos essa política. A composição pode mudar de contexto para contexto, conforme o necessário, mas a análise tem de ser coerente e consistente. Digamos, um grupo indígena. O que pode ou não estar enraizado em noções de indigeneidade? As noções de descolonização são uma coisa em constante evolução. Estamos falando disso em termos de epistemologia? Estamos falando disso em termos de prática no território? Estamos falando disso na orientação do Estado-Nação? É por isso que dizemos que a descolonização exige a abolição. Mas a abolição não é apenas uma negação de algo, é uma criação. E, uma vez que você traz essas estruturas para questões ao redor do museu, a coisa toda muda.

Mas voltando, eu sou palestino. As noções de diáspora também são um problema agora. Se a opressão está no capital, não há fronteiras. Então, como o nosso pensamento e o nosso fazer são limitados às geografias dessa maneira? Isso realmente vai mais fundo nas distinções entre ativismo e organização. Não nos chamamos ativistas. É um problema. Porque, no contexto do ativismo, você não é necessariamente responsável perante a comunidade ou parte de uma luta. É uma identificação simples e você faz alguma coisa. Também está sendo usado como uma forma de contrainsurgência, porque cria uma separação entre o grande público e as pessoas especializadas em fazer a ação.

NITASHA: Amy começou a falar sobre como nos organizamos. Isso é muito importante, porque, uma vez que você descobre quem está na sala, quem não está e quem precisa estar na sala, então isso também se torna uma festa. Este é um ponto muito importante. É espiritual, é mágico, é orientado para a ação. Não é só trabalhar no plano da racionalidade e da lógica, que é um conceito bem ocidental, não é? É por isso que muito do que fazemos vem de trabalhos ancestrais, trabalhos estéticos.

Há tipos muito diferentes de descolonização. Se você está falando da América do Norte, este é um Estado de colonizadores. Depois, há o contexto dos chamados “países do Terceiro Mundo”. A Palestina, por exemplo, ainda está em um estado de descolonização, na medida em que nem é um Estado-Nação. E aí tem a decolonialidade que vem da América do Sul. E assim a resposta à sua pergunta é como fazemos: todos nós vivemos experiências em que nós mesmos nos colocamos nessa matriz colonial de poder. E nós temos essa experiência vivida para então negar isso e neutralizar isso, e também criar afirmações fora disso. Isso é realmente importante porque, no contexto de onde venho, a indigeneidade tem um significado completamente diferente do que tem no contexto norte-americano.

Agora, em termos do trabalho em torno do American Museum of Natural History, claro que temos de trabalhar, então muitos grupos indígenas sul-americanos fizeram parte da conversa, muitos grupos de libertação negra fizeram parte da conversa, grupos de imigrantes, refugiados de guerra. Porque, se você olhar para o American Museum of Natural History, ele é realmente como uma supremacia branca oca. Baseia-se na eugenia, uma visão de mundo de ascendência europeia: quem era considerado humano? O que era considerado conhecimento? O que era considerado cultura? Então, o museu se oferece como um local para construir essas relações, trazendo para a sala essas pessoas que vieram de todas essas diferentes experiências de colonização, de diferentes partes do planeta.

Uma das ações mais incríveis para todos nós foi o terceiro Anti Columbus Day Tour. Porque, o que fizemos foi: vamos entrar neste museu e ativar os espaços que queremos com base em nossas próprias histórias. Então, se você fosse, por exemplo, no terceiro andar, veria cinco mulheres Ashabi tocando bateria e colocando uvas pretas nas vitrines, porque muitas das coisas que estavam no museu não eram para ser exibidas. Se você descesse ao Salão da América Central, era como se os organizadores indígenas do México estivessem falando sobre um calendário solar que estava dentro daquele espaço….

AMIN: Que era impreciso, incorreto…

NITASHA: Se entrasse nos salões asiáticos, você tinha pessoas falando sobre ocupações militares até hoje – Afeganistão, Japão… –, o museu realmente tornou-se um espaço que ativou uma conversa sobre tudo isso. A descolonização então encapsula tudo isso, certo? Estamos realmente pensando na descolonização em relação aos museus dessa maneira, das múltiplas realidades de onde ela vem.

Infográfico plano de diretrizes como derrubar uma estátua (Foto: Cortesia Decolonize This Place)

Vocês fazem tudo coletivamente? Existe um “departamento de arte” para desenhar cartazes, folhetos? Existe um “editor-chefe”? Ou as funções são fluidas?

AMIN: Estamos há um mês trabalhando em um parágrafo (risos).

MARZ: Nos organizamos em círculos concêntricos. Em primeiro lugar, alguns de nós vivem juntos (risos), nos vemos muito, comemos muito juntos, é como se fosse uma família. Muitos de nós gostamos muito de brincar na Universidade de Nova York (NYU) – também conhecido como “ensinar” (gargalhadas). Então, por isso, temos círculos concêntricos que percorremos dentro e fora do Decolonize This Place. Há um grupo de chat chamado Visual Maniacs. Eu não estou nesse chat! Me estressa só de pensar. Mas há esse bate-papo chamado Visual Maniacs que é a origem de muitos dos gráficos que são criados. Mas nós temos também um chat com só quatro ou cinco de nós, que é apenas um monte de bobagens. Mas todos esses bate-papos alimentam um bate-papo maior que inclui todos nós, então nada do que fazemos é isolado um do outro. Estamos fazendo um trabalho na Filadélfia, Pensilvânia, em breve. Estamos trabalhando em um parágrafo para descrever o que é o trabalho, e já estamos há um mês nesse processo (risos). Porque há muitos de nós, não somos apenas nós. Nós oito perguntamos aos nossos camaradas, e nossos amigos de outras lutas, você sabe… Todos nós, a maioria de nós está sediada no Brooklyn, então é como, oh, bem, a galera do Bronx já leu isso? (risos)…

AMY: Não é tão diferente de organizar, porque o trabalho que a gente cria também é para organizar. Não são coisas que existem em isolamento. Elas fazem parte do movimento. Mas eles estão certos, o movimento gerou partes. Então perguntamos, quem precisa ver isso? E o feedback de quem nós precisamos, para ouvir e comentar?

Contracapa do Manual de Operações Decoloniais (Foto: Cortesia Decolonize This Place)

AMIN: Estamos falando com vocês no fim de um período de cinco anos de Decolonize This Place, com nosso trabalho no Strike MoMA. Mencionamos diferentes frames. Um deles é pedagógico. E outros deles são as intervenções. Você pode usar a palavra intervenção, mas não no contexto de arte. É como Nitasha diz, fazer um espaço morto ganhar vida. Ou criar diferentes bolsões de relação com o tempo e o espaço que podem permitir um sentimento não capitalista. O que pode, então, ser uma forma de relação. Não se trata tanto de reparações ou de devolução de terras, mas de como essas coisas podem acontecer em prol da luta. Este é o momento. Como essas coisas podem acontecer na promoção da luta? O que quero dizer? Quero dizer “como você pode agir e obter algo”, mas saiba que o que está sendo obtido não é para ser colocado de volta no sistema como propriedade privada, ou como minha ou como sua, mas como algum tipo de projeto coletivo que é em prol da luta.

Que tipo de luta? A luta que vamos articular e desarticular juntos, porque noções de indigeneidade e negritude também são constructos que atrapalham o tipo de futuro que queremos construir juntos, mas suas consequências são reais e são materiais e precisam ser reconhecidas antes que um passo possa ser dado. E é por isso que não é para todos. A separação pode vir na forma de uma ruptura, na forma de uma greve, na forma de um êxodo, na forma de uma saída, na forma de um desengajamento, de um desacoplamento. Estas são todas as formas e tecnologias que precisam acontecer agora. (Colaborou Juliana Monachesi).

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