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Postado em 25/06/2012 - 4:44
20 mil léguas fictícias- Entrevista com Fábio Fernandes
Nina Gazire

Em entrevista, o escritor e pesquisador fala sobre a relação entre a literatura de Ficção Científica e a ecologia

Fábio Fernandes-crédito Pisco del Gaiso

Foto: Pisco del Gaiso

Fábio Fernandes é um dos grandes especialistas sobre literatura do gênero Ficção Científica no âmbito brasileiro. Além de acadêmico_ Fernandes é especialista cultura digital, lecionando sobre o assunto no curso de Tecnologia e Mídias Digitais e Jogos Digitais da PUC de São Paulo_ é autor do romance Os Dias da Peste, publicado em 2009 e tradutor de obras como Laranja Mecânica, de Anthony Burgess e Neuromancer, de William Gibson. Fernandes foi o nosso principal colaborador na matéria 20 mil léguas fictícias, que aborda como a questão da água foi tratada pela ficção científica ao longo do último século. Em entrevista para a seLecT, o escritor e pesquisador fala sobre como o tema aquático surgiu no gênero e a relação entre meio ambiente e literatura:

Quando foi a que a preocupação com a ecologia apareceu no gênero da Ficção Científica?

Na década de 50, você tem uma série de excelentes livros pós-holocausto nuclear ou pós-apocalípticos, como Red Alert, de Peter Bryant (base para Dr. Strangelove, do Kubrick), Um Cântico para Leibowitz, de Walter M. Miller, Jr., e On The Beach, de Nevil Shute (este também virou filme, com Gregory Peck e Ava Gardner), onde a preocupação tangencia o ecológico mas é evidentemente mais voltada para a sobrevivência da espécie humana e do planeta como um todo. A década de 1960, principalmente a segunda metade, é onde a questão da ecologia vai ser tratada de maneira mais direta. A preocupação com o meio ambiente e com o gasto desenfreado dos recursos naturais começa a se fazer mais presente na ficção científica ainda durante a Guerra do Vietnã. Um livro emblemático dessa época é Make Room! Make Room!, de Harry Harrison (escrito em 1966 e levado ao cinema em 1973 como No Mundo de 2020, com Charlton Heston). Nesse livro, o petróleo se esgotou, a água potável está perigosamente próxima da escassez e alimentos industrializados são tão raros e caros que a solução é consumir o “soylent green”, ou “soilente verde”, um concentrado alimentício que você pode dissolver na água e fazer uma espécie de sopão pra tapear a fome.  Aliás, esta semana faleceu neste ano um dos pioneiros dessa FC ecológica, o inglês John Christopher, autor de The Death of Grass (que é de 1956, portanto anterior à onda verde que eu acabo de citar).Outro clássico é The Drowned World (1962), de J. G. Ballard, um romance pós-apocalíptico que trata do derretimento das calotas polares e do aumento do nível dos oceanos a ponto de deixar apenas ilhas onde antes existiam continentes.

O elemento água sempre esteve presente na literatura fantástica ou de ficção científica de alguma maneira. Seja no livro de Jules Verne em Vinte mil léguas submarinas ou em outras publicações, o oceano é algo tão inexplorado e perigoso quanto o espaço sideral.  Os oceanos e os mares são tão desconhecidos quanto o espaço?

Ah, com certeza. Até hoje os oceanos são pouco explorados na FC.Alguns autores mais recentes, como Alastair Reynolds ou Kristine Kathryn Rusch, têm se aventurado a falar disso – mas, curiosamente, quase sempre falando de oceanos alienígenas. Não sei dizer porquê – se os nossos oceanos já não têm tantas surpresas quanto há cem anos _ apesar de achar que esse não seja bem o caso_ ou simplesmente porque não está no escopo das histórias deles – mas atualmente, para a maioria dos autores, exploração significa espaço sideral. Se tiver um oceano legal, mas inventado, claro, em um dos mundos explorados,  é melhor.

A partir da década 1950 em diante novos subgêneros começaram a aparecer dentro da literatura de ficção científica como, por exemplo, o gênero Ciberpunk. Existe algum gênero especifico para a Ficção Científica voltada para as causas ecológicas? Quais são as tendências atuais dentro deste campo?

O surgimento desses subgêneros é sempre motivo para amplas discussões, tanto na academia quanto em mesa de bar. Em vários casos conseguimos localizar pontualmente um conto ou um livro que seria o pioneiro de um determinado subgênero – mas a verdade é que essas coisas ocorrem mais ou menos como nos movimentos de artes, como o Cubismo ou Surrealismo. Ocorrem porque o autor, ou um grupo de autores, sentiu a necessidade de expressar algo de uma maneira diferente do que se fazia até então, e normalmente alguém de fora (quase nunca é o próprio autor) escreve um artigo, prefácio ou uma resenha e batiza o subgênero. Foi assim com os cyberpunks e os steampunks, por exemplo. A biologia e a ecologia hoje contam com os subgêneros do biopunk (The Windup Girl, de Paolo Bacigalupi, ganhador do Hugo Award de 2010, é um dos melhores romances desse subgênero) e do greenpunk. A tendência atual é a hibridização – embora o livro do Bacigalupi seja considerado biopunk, ele não é pós-apocalíptico, é ambientado num futuro próximo, tem robôs inteligentes, ou seja, uma mistura de arquétipos narrativos do meta-gênero que é a FC. O biopunk e o greenpunk não estão dando frutos diretos, mas o steampunk está se multiplicando e gerando “filhotes” que absorvem arquétipos de outros subgêneros e vão somando peças a esse mosaico.

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